Salomão Seruya – Viagens

Viagem à Grécia e a Istambul

 

É vulgar, sobretudo em viagens e em presença de coincidências fortuitas ou em encontros com pessoas desconhecidas que se verificas serem parentes de conhecidos ou amigos nossos, dizer-se que o mundo é pequeno.

Recordo, entre muitos incidentes esquecidos, que, há poucos anos, em Genebra, e, dias depois, um trajeto de bus em Londres, me encontrei com dois cavalheiros que haviam tido relações de comércio e de amizade com o meu bom amigo Fredefik Ehrenfest, que atualmente reside em Lisboa. O primeiro era o Sr. Keller, antigo diretor do Comptoir d’Escompte suíço e ou outro pertencia a uma fábrica austríaco de “fez” (barretes usados pelos muçulmanos). [1]

 

A minha prima Simy entra para o teatro

Recordo também dois incidentes sucedidos em Johannsburg. Um foi o caso de meu Pai me ter escrito que a sua sobrinha Simy Seruya Isaacs, de Londres, tinha entrado no teatro. Meu Pai estava indignado, sobretudo pelo fato de a minha prima ter adotado o nome de Seruya como pseudónimo de teatro, quando podia ter escolhido o seu apelido de Isaacs, ou outro qualquer. Lembro-me de ter sorrido ao ler a carta de meu querido Pai, cuja repulsa pela profissão teatral e pela escolha do nome de Seruya eu não partilhava.

Passado tempo, quando tomava bilhete para uma récita no His Majesty’s Theatre e o camaroteiro, pronunciando o meu nome, me dizia ter uma cadeira nas primeiras filas, como eu desejava, fui seguido por um rapaz que se achava, de pé, junto da bilheteira e pediu licença para me falar; fazia parte da companhia teatral, mas não entrava na peça daquela noite. Tinha pertencido a um grupo de artistas de que a minha prima Simy fora empresária, para percorrer as províncias de Inglaterra, e que se tinha dissolvido em resultado dos prejuízos sofridos. Ouvira o meu nome, e resolveu perguntar-me se eu conhecia a sua antiga diretora.

 

Um conhecimento inesperado

O outro caso foi o da mulher do meu amigo e distinto advogado Manfred Nathan me apresentar a sua Mãe que, ao ouvir o meu nome, me perguntou se eu conhecia o Sr. Mark Seruya, de Lisboa. Respondi que o conhecia muito bem e que, por sinal, era justamente o meu Pai. “Pois olhe, Sr. Seruya, o seu Pai e eu fomos condiscípulos há uns bons cinquenta anos, num colégio em Dover”, Inglaterra, onde eu, de facto, sabia que meu Pai tinha feito parte da sua educação. Deu-me o seu nome de solteira e contei o encontro a meu Pai, que ainda vivia. A resposta não se fez esperar. Meu Pai recordava-se perfeitamente da senhora e de uma sua irmã, que também estava no colégio; uma delas tinha sido o seu primeiro amor e conservava ainda uma bolsinha que ela bordara e lhe oferecera. Não era a senhora que eu conhecia o primeiro namoro do meu Pai; essa ainda era viva também e estava casada com um oficial do exército da Índia.

 

Um amigo do colégio de Frankfurt

Acrescento ainda que, achando-me à frente de uma delegação da colónia portuguesa aguardando, na estação de caminho de ferro, a chegada do Príncipe Real o Senhor D. Luiz Filipe, alguém me tocou no ombro. Virando-me, deparei com Grossbaum, um condiscípulo e bom companheiro no colégio que ele e eu frequentámos em Frankfurt dos treze aos quinze anos.

 

Viagem à Grécia

Porque a minha recente viagem, com minha mulher, à Grécia, foi fértil em incidentes desta natureza, resolvi anote-los, juntando, assim, mais um elemento à recordação da nossa viagem àquele país de ambiente tão histórico e artístico. O deleite e o interesse com que percorremos o pouco que nos foi dado visitar na Grécia, necessitaria, sem dúvida, muitas páginas de descrição, mas a literatura a tal respeito é tão vasta que qualquer tentativa minha não passaria de um ensaio medíocre, pretensioso e inútil. Limito-me, pois, a recordar os incidentes a que aludi e cuja índole julgo poder divertir, durante alguns instantes, quem os ler.

 

Encontro com um diretor da Twentieth Century Fox

O primeiro deu-se logo depois do nosso embarque, no valor Olympia, em Lisboa, na quinta-feira 26 de junho de 1955, mas tem um pequeno prólogo. No ano anterior, estando nós em Londres, ao terminar o espetáculo no Drury Lane, a que assistíamos, chovia bastante e era completa a ausência de táxis. Um que apareceu tempo depois, foi tomado por um casal que se achava mais próximo do que nós. Contra os meus hábitos, tive a “lata” de me aproximar, abrir a portinhola e pedir uma boleia. Tivemos a sorte de deparar com gente amável que, não só não se zangou com o atrevimento, como se prontificou a levar-nos ao nosso hotel. Tratava-se de um diretor da grande empresa cinematográfica americana Twentieth Century Fox e de sua mulher, uma interessante senhora francesa primorosamente vestida.

 

Ora, pouco depois de embarcar, travei conhecimento com o senhor Samuel Engel, realizador (producer) da dita empresa, que se dirigia também para Atenas para estudar as possibilidades de realizar um filme naquela capital. Relatei-lhe o incidente de Londres e, quando disse que o cavalheiro do táxi era casado com uma senhora francesa, atalhou-me logo: “Não vá mais longe, era o senhor Ratoff, um dos meus diretores. Quando regressar à América, dir-lhe-ei o meu encontro consigo”.

 

Nas ruínas do templo de Poseidon

Durante a nossa estada em Atenas, tomámos parte, um dia, numa excursão a Sounion, onde se encontram, num panorama soberbo, as ruínas do templo de Poseidon. Entre os companheiros do trajeto encontrei o senhor Watson ou Dawson, que me disse ser um dos gerentes, em Johannsburg, do Johannsburg Consolidadted Investment Company, do grupo financeiro sul-africano Barnato-Joel. Como eu, com o seu encontro, ficou atónito quando lhe disse que eu próprio fora empregado dessa empresa durante dois anos, entre 1904 e 1906, salvo erro, sendo então gerentes os senhores Carl Hanau, Harold Strange e Hamilton. Uma outra empresa sus subsidiária. A Delagoa Bay Lands Syndicate, era proprietária dos extensos terrenos da célebre concessão Oscar Somershield, em Lourenço Marques. A administração desses terrenos e os respetivos títulos achavam-se num estado caótico: coube-me a tarefa de os pôr em ordem, de modo a poderem ser negociados e, de fato, mais tarde, os terrenos foram objeto de um acordo entre o Syndicato e o Governo Geral de Moçambique. É sabido que, anos depois, os terrenos, incluindo o Hotel Polana, construído pela Delagoa Bay Lands Syndicate, passaram para as mãos do grupo I.W.Schlesinger, de Johannsburg.

 

Os nossos sobrinhos Alex Leroi e sua mulher Rita

No dia 6 de Junho, estando a almoçar no terraço do Hotel Amphitrion, em Napflion, deparámos com os nossos simpáticos sobrinhos Alex Leroi e sua mulher Ritas, ambos exercendo medicina em Basileia. Pouco mais de uma hora estivemos juntos por termos, uns e outros, de continuar a nossa viagem em direções diferentes.

 

O meu primeiro namoro

Dias mais tarde tomámos o vapor Simiramis para uma excursão às ilhas gregas do Mar Egeu. Dir-se-á que, nessa excursão, conspiraram três pessoas para nos convencerem de que, na verdade, o mundo é bem pequeno.

Iniciámos, a bordo, relações muito agradáveis com René Ostersetzer e sua mulher Lucienne, de Genebra. Ele tem importantes interesses na fábrica de relógios Longines. Tive ocasião de lhe dizer que, encontrando-me em Genebra, tinha procurado um antigo condiscípulo do tempo em que eu, ali, frequentei (juntamente com meu irmão Fortunato e meu primo Frederico Azulay) o Instituto Balitzer, sendo-me dito que havia falecido dois anos antes. Quando lhe disse que se tratava de Julien Flegenheimer, atalhou logo que era seu primo e chamou a mulher para lhe dizer que eu conhecera o Julien. Julien e sua irmã Jeanne, uma linda garota de uns catorze anos, eram enteados do senhor Balitzer, diretor da escola. A senhora Ostersetzer disse-me que Julien, que tinha sido um arquiteto distinto e um dos autores do projeto do palácio da Sociedade das Nações, ganhara muito dinheiro e morrera pobre devido às suas muitas loucuras com o belo sexo. Sua irmão Jeanne, que fora o meu primeiro namoro, de troca de cartas e de apertos de mão nos corredores, enviuvara de um holandês e, avançada em anos, vivia agora outra vez na Suíça. E, de repente, lembrou-se de que a Jeanne, ao contar-lhe, um dia, incidentes da sua juventude, lhe tinha falado em dois alunos do colégio, um turco e um português, que tinham sido dos seus primeiros “flirts”. Esse turco, Mehmed Salih Bey, de quem fui o melhor amigo apesar da nossa rivalidade, constou-me, mais tarde, que tinha casado com a filha de um ministro da Turquia, creio que na Suécia, e tinha entrado na carreira diplomática. Retorqui pedido a Madame Ostersetzer para dizer à Jeanne que o Mehmed Salih, que, dias antes, tinha procurado em Istambul, já falecera, mas que o português, que era eu próprio, ainda era vivo e lhe enviava afetuosos cumprimentos.

Madame Ostersetzer disse-me que uma sua irmã era casada com um distinto pianista suíço, Harry Dattyner, de Lausanne e que este viria brevemente dar concertos em Lisboa, Luanda e Lourenço Marques, contratado pelo Círculo de Cultura Musical. Efetivamente, apresentou-se, há dias, num concerto promovido pela Câmara Municipal no Palácio dos Desportos e almoçou connosco na Quinta da Terrugem, em Paço d’Arcos.

 

Com os netos de um velho conhecido de Milão

Conhecemos ainda, a bordo do Semiramis, um casal de jovens recém-casados, de Milão. Quando lhes disse que já tinha visitado duas vezes essa cidade, perguntaram-me se conhecia lá alguém. Respondi que, da última vez, tinha encontrado o filho do senhor Jarrah, importante industrial que viera a Lisboa escolhido por Mussolini para presidir à delegação dos estaleiros italianos concorrentes à reconstrução da nossa marinha de guerra. Minha mulher e eu oferecemos um chá a essa delegação na nossa casa em Lisboa. A rapariga atalhou logo dizendo que era neta do velho e falecido senhor Jarrah.

 

Outros encontros engraçados

Conhecemos ainda, a bordo so Semiramis, Mrs. Henry Glazier, de New York, que verificámos ser amiga do casal Philip Lilienthatl, de Burlingame, na Califórnia, com quem travámos amistosas relações em 1953 nas Gorges du Tharn, em França, e aparentada com o casal Koshland, de S. Francisco, que nos visitaram em Lisboa, recomendados por Lilienthal. Mrs. Glazier é íntima amiga de Mrs. Warburg, de New York, cujo filho, Paul, é casado com a senhora Bárbara, viúva do Barão de Almeida Santos, filho e irmão dos nossos prezados amigos de Lisboa e aparentado com o nosso genro Sebastião Trigoso.

Ainda tivemos um engraçado encontro, no Hotel de Grande-Bretagne, em Atenas, com a senhora Braunstein e sua filha, de Johannsburg. Quando ouviu o meu nome, Seruya, disse logo que sua avó tinha comprado a mobília de nossa casa de jantar, no leilão que fizemos em Joahnnsburg antes de regressarmos à Europa.

É ou não é pequeno o mundo?

 

No cabaret Combarcita, em Atenas

Finalizo estas notas com o relato de um jantar no cabaret Combarcita, em Atenas, com Kirki Sideri, simpática e esperta rapariga grega, que fazia parte do TRIP, agrupamento turístico e cultural em serviço a bordo do vapor Olympia, com os seus amigos William Panas e outras pessoas. A “atração” principal consistia da artista Mary Lida, artista grega bem galante e decerto cheia de vida e de espírito, visto que o seu trabalho de canto e conversa divertia francamente toda a gente, menos a nós, que não entendíamos grego. De vez em quando sentava-se à mesa dos visitantes e entretinha-os com as suas chalaças e piadas. Assim fez na nossa mesa, o que me levou a oferecer-lhe um ramo de flores e a pedir à Kirk Sideri que lhe dissesse o meu pesar em não podre dizer-lhe, em grego, o que pensava dela em português. Minutos depois o altifalante disse umas frases que provocaram gargalhada geral. Kirki explicou-me logo que o altifalante anunciara a presença, na sala, de um cavalheiro português pesaroso por não poder dizer à senhora Mary Lida, em grego, o que dela pensava em português. O meu dito, fizera, pois, fortuna!!!

 

Julho de 1955

[1] 7 de Abril de 1956 – O antigo presidente desta fábrica, Ernst Gucker, que reside em Montevideu, hoje, e com o Sr. Ehrenfest, em nossa casa em Lisboa.