Viagem de verão – 1929

Viagem de 1929

Descrição da minha

viagem

a

França e Espanha e Portugal

No verão de 1929

“algo por alto”

Lisboa, 27 de Agosto de 1929

Introdução

A viagem a França tinha um fim. Era ir passar as férias (parte) com o Cecil, tia Rosinha e tia Júlia os quais não víamos há algum tempo. Portanto fomos para uma praia chamada Houlgate, no Calvados, ao pé de Deanville.

(Localizar no Google: Houlgate )

A viagem

Saí de Lisboa no dia 10 de Julho de 1929 com a Tia Maria Luísa[i] no Sud-Express para o Porto onde ela ia ver os filhos.

Chegámos lá às 6 p.m. e fomos para o Hotel do Porto no carro dos Mirandas. Quando jantávamos chegou o Tio Fred com os carros com que seguíamos para Paris.

Fomos para a sala e à meia-noite chegou o José que também partia connosco. Dormimos no Hotel essa noite.

Eram 6 da manhã, oiço bater à porta. Fui abrir. Era o Tio Fred. Vinha em cuecas e camisa, descalço, pedir se o José se vestia para ir comprar a uma farmácia um tubo de aspirina para a tia que estava com dores de cabeça. Afinal foi o chauffeur e adormecemos.

No outro dia, meus anos, fomos no Buick da Tia Emília almoçar a Vila do Conde.

 
Casa de Frederico Abecassis em Vila do Conde. Carlos Seruya, Maria Raquel (Miqué) d’Almeida Brandão Abecassis, Maria Fernanda Machado (Seruya), Maria Eduarda (Mimi) Machado, Frederico Abecassis, Maria Henriette (Riri) d’Almeida Brandão Abecassis, Maria Teresa (Zefa) Sousa Rego Sobral (Archer) e Maria Teresa (Trizinha) Machado (Sobreira)
Casa de Frederico Abecassis em Vila do Conde. Carlos Seruya, Maria Raquel (Miqué) d’Almeida Brandão Abecassis, Maria Fernanda Machado (Seruya), Maria Eduarda (Mimi) Machado, Frederico Abecassis, Maria Henriette (Riri) d’Almeida Brandão Abecassis, Maria Teresa (Zefa) Sousa Rego Sobral (Archer) e Maria Beatriz (Trizinha) Machado (Sobreira)

Beberam à minha saúde, etc. Entretanto o António (o chauffeur) afinava os carros. Quando saímos de Vila do Conde eram 4 e 30 e chagámos ao Porto às 5,15. Os preparativos, embalagem, etc, levaram uma hora. Levávamos um termos colosso com água gelada que nos serviu de imenso durante o caminho.

Partimos às 6,15 do Porto, depois de eu ter comprado uns óculos automobilísticos. Chegámos a Viseu, depois de ter comprado uns biscoitos em S. Pedro do Sul, às 10,10 e fomos jantar ao Royal Restaurant onde acabámos de comer à meia-noite. Dormimos no Hotel de Portugal. Bastante mesquinho, mas asseado. Os travesseiros eram dureza extrema.

Às 11,30 da manhã, depois do AC se ter arranjado 2 vezes, partimos para Valladolid onde contávamos dormir. Passámos por Mangualde às 12, por Fornos de Algodres às 12,40 e parámos para almoçar em Celorico da Beira à 1 e 5m. O almoço foi o mais rústico possível no Céu de Abrantes. O que maçou foram as diabólicas moscas que não deixaram um momento as minhas pobres pernas. A estrada bastante má. Partimos às 2,45 e passámos por Tamanho às 15,5, por Vila Franca das Naves às 15,20 e em Pinhel parámos às 15,50 para meter gasolina. Saímos daí às 4,15. No caminho passámos por um castelo de que não me lembro o nome [Castelo de Almeida?]. Chegámos a Vilar Formoso às 5,30. O Tio Fred tinha lá um amigo na alfândega por isso esperámos hora e meia que nos abrissem as cancelas mas na fronteira, Fuentes de Onoro não tivemos que abrir malas o que foi uma sorte devido ao tal amigo do Tio Fred.

Passámos das fronteiras às 7. O aspeto do terreno mudou logo: poucas árvores, uma impressão de aridez e poeira. Tocámos em Ciudad Rodrigo às 7,50. Cidade interessante situada numa colina e com uma antiga muralha. Salamanca às 9,20. Não gostei nada da cidade. Jantámos no Hotel Restaurante e não sei como arranjámos, mas só saímos de lá era meia noite e meia hora!! Gostei muito da viagem de noite. Um ótimo fresquinho, Rolls e boa estrada. Chegámos a Valladolid às 3,20 e fomos para o Hotel de Inglaterra. De manhã, como apéritif fomos ao Café Royalty tomar uma limonada. Almoçámos no Hotel e partimos para S. Sebastião às 2,55. Em Salamanca estava imenso calor.

Em Burgos parámos às 5,30. A catedral é linda. Tirei 2 retratos. Partimos às 6,10. Chegámos a Vitória às 6,40. Jantámos num esplêndido hotel, Fronton, estilo moderno. Partimos às 10,30, metemos gasolina em Salvaterra às 10,50 e passámos por Tolosa às 24,35. Enfim S. Sebastian à 1,45 da manhã. Fomos para o Hotel de Londres, bastante bom.

De manhã eu e o José visitámos a cidade e a praia que estava preta de gente. Almoçámos no Hotel com um oficial italiano Gabetti, e às 4,15 lá partimos para Bordeus. Biarritz às 6,40. O Casino novo está engraçado; estilo moderno. Partida 7,50. Passagem por Montmarsam às 9,45. Imenso povo e bandeiras por ser o 14 de Julho, acho eu. Jantámos em Captieux perto de Montmarsan num restaurante ordinário, mas uma sopinha de regalar os órgãos digestivos e o órgão do gosto e por cima um cheirinho muito agradável à pituitária. Em Bordéus chegámos à 1,45. Hotel bastante bom. No dia seguinte estava um calor insuportável. Como pudemos lá saímos e fomos ver um pouco a cidade. Uma coisa que achei graça foi um caixote cheio de cágados vivos deante (à porta) duma mercearia.

Almoçámos no restaurante Chapeau Rouge e sendo 4,45 partimos para Royan visitar o Tio Henry e a Tia Rachel. Chagámos lá às 8 e hospedámo-nos no Hotel Miramar em Pontaillac.

[Para conhecer a posição de Pontaillac em França, carregue no nome da cidade, ]

No dia seguinte fui com a Tia Rachel a Royan comprar um fato de banho. Tomámos banho e à tarde fomos de comboiozinho visitar as praias vizinhas. O terminus era na Grande Côte praia compridíssima e linda. Jantámos e no dia seguinte às 5,20, depois de almoçarmos, partimos para Paris. Era ainda escuro e a Tia Rachel e Mrs. Byron vieram à janela despedir-se. Às nove e cinquenta passámos em Poitiers, comemos uns ovos mexidos no Chapeau Fin. Partimos às 11,30 e em Tours, onde chegámos às 13,25, almoçámos no Hotel de l’Univers. Saímos às 15,45 e chegámos a Orléans às 6,45. Fomos sempre pela borda do rio que é lindíssimo. De vez em quando víamos um castelo. Vimos três muito interessantes: d’Amboise, d’Écures e de Blois. De Orléans a Paris é a estrada mais colossal que eu enho visto. Além disso retas intermináveis. Uma de 11 quilómetros! Às 7,40 passámos por Angerville onde tomei uma limonada. Só às 10,20 chegámos a Paris onde fomos para o Mirabeau. Fez-se a viagem em oito dias certos. Ora que depressa que tudo passou. É espantoso mas também gostei colossalmente.

Paris. De manhã do dia seguinte eu e o José Levantámo-nos um puco tarde. Essa manhã almoçámos no Fouquet’s no Champs Elysés. À tarde fizemos compras e fomos ao Museu Grevin. Às 8 passavam os pais por Paris. Fomos à estação e nessa noite eu e o José fomos ao Rose Marie e os pais e tios foram ao Luna Park. No dia seguinte fiz compras com a Mãe. Comprei um Driva no Williams e várias coisas. Às 5 partimos para Houlgate e os Pais para Vichy.

Chegámos às 9.O Cecil e o Víctor estavam na estação. Fomos para o hotel onde nos esperavam as três tias Julia Azulay, Rosinha e Júlia.

O Hotel du Casino era muito bom. Os nossos quartos eram pequenos mas bonzinhos. Comida muito boa. A praia era ótima e muito curiosa. Era muito plana como quase todas as da Normandia, por isso a maré descia rapidamente e ia longíssimo, um quilómetro pelo menos. À beira da praia havia uma digue onde passeávamos todas as noites depois do jantar. O casino estava sobre a digue. Tinha uma sala de dança e um teatro-cinema.

Adorei lá estar, praia se havia bom tempo. À tarde tennis ou passeio. À noite ou passeio com amigos na digue ou então copas ou mah-jong no hotel. Fiz-me rapidamente sócio do club. Tinha dez cortes de tennis!! Para lá era muito. Tínhamos amigos franceses muito simpáticos: Gilbert e irmão François Gordon; um americano Edward Burns e algumas raparigas. Um dia chegaram a Madame Fernandes e a filha. A Tia Júlia conhecia-as, por isso desde esse dia andávamos muito com ela (a filha) que se chamava Manuela.

Demos ótimos passeios. A Deauville fomos várias vezes. O Casino é lindíssimo; a praia é muito boa, mas quando é. Uma vez que fomos lá tomar banho vimos um aeroplano fazer acrobacias espantosas.

Fomos a Caen. Velha cidade mas com igrejas lindas. Vimos a Igreja de S.te Pierre, a Abbaye des Hommes, Abbaye des Femmes.

Fomos a uma espécie de hotel perto de Ronfleur chamado Chateau de la Roche-Vasouy. Tomáva-se chá num terraço donde se via o Havre. Era lindo mas o que melhor me soube foi o chá. Que belas natas e que belo doce.

O que nos fez bastante tristes foi a partida da Tia Júlia. Foi às 7 da manhã e fomos todos à estação.

Fomos a Cabourg, esplêndida praia com ótimo casino, e boa digue.

Houve um campeonato de tennis em que entraram ótimos jogadores. O que ganhou era canhoto, mas jogava lindamente.

Um dia veio um telegrama dos pais dizendo que partíssemos para irmos ter com eles a Barcelona. Fez-nos imensa pena largarmos aquele ótimo sítio e a companhia ainda melhor, mas teve de ser.

Partimos às 7 para Paris onde chegámos às 11. Fomos procurar a Tia Rachel que devia ter o meu passaporte. Mas ficámos banzados quando a porteira nos disse que os tios tinham partido para Londres e que chegavam nesse dia às 5! Fomos ter com a Tia Maria Luísa ao Mirabeau e nessa tarde fizemos várias compras. Às 5 fomos esperar os tios mas a nossa deceção foi grande quando a Tia Rachel ao remexer a correspondência não encontrou o passaporte! E já tínhamos tomado bilhetes, e o comboio partia às 7,30! Fomos ver se revendíamos os bilhetes, mas perdemos algum dinheiro nisso. Nessa noite fomos jantar com os tios ao “Pomme de Pin” e à noite ao Madeleine ver Le Figurant com o Buster Keaton.

No outro dia estávamos meio a dormir ainda quando recebemos uma telefonadela da tia Rachel dizendo que o passaporte tinha chegado. Ficámos contentíssimos. Almoçámos na Brasserie Universelle na Avenida da Ópera e à tarde fomos ao jardim d’Acclimatation e ao Luna-Park.

Às 7 partimos para Barcelona. Vimos em Cerbère pela primeira vez o Mediterrâneo que parecia um lago.

Chegámos às 13,30 h.; estava o Pai na estação. Fomos para o Hotel Colon e nessa tarde encetámos a Exposição pelo pavilhão das comunicações. Automóveis, aviões, máquinas, carruagens, tudo isso está apresentado nesse palácio.

O pavilhão português não está mal exposto. Os mármores de Vimioso são lindos.

O palácio nacional é uma obra de arte. Tem imensas coisas antigas, vasos, et.. É uma coisa grandiosa a exposição. É bem preciso três semanas para a visitar a fundo.

Um dia em que a Mãe e eu estávamos um pouco cansados fomos com a Helena e o Chico à montanha de Monserrat. Tem um convento e é curiosíssimo pelas suas rochas arredondadas e altíssimas. Fomos também ao monte Tibidabo, donde se vê toda Barcelona. É lindo!

Fizemos várias brincadeiras. Andámos num avião, num carro aéreo, etc…

Partimos para Madrid às sete da tarde e chagámos às 9 da manhã. Fomos para o Palace. Passeámos pela Calle de Alcalá e outras avenidas lindas. Estava um caloe de torrar. Fomos ao parque chamado o Retiro. Tomámos um refresco na casa de chá Viena Park e jantámos num restaurante sempre dentro do parque. Essa noite os pais e Chicos foram ver uma Zarzuela. No outro dia de manhã os pais e Víctor foram ao Prado e eu fiquei a fazer o meu diário. Partimos nessa noite para Lisboa onde chegámos às 3 da tarde do outro dia. Acabou-se a viagem pelo estrangeiro. O resto das férias passámo-las na Granja. Tínhamos o Nash da avó Helena e o chauffeur Manuel.

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Demos vários passeios a Vila do Conde, Aveiro – Vista Alegre. Eu jogava bastante tennis e tomávamos banho frequentemente. Cheguei a tomar 22 e não tomei mais porque o tempo esteve bastante mau. Um dia a D. Arselina convidou-me para ir passar uns dias à quinta dela no Douro. Fui com o Antoninho e encontrei lá o João, Sebastião, José Maria e Manuel Eça de Queiroz. Caçadas fizemos bastantes. Uma delas foi com todos, o guarda florestal da Quinta onde caçámos e vários homens da Quinta Amarela. Um homem da Quinta uma vez quando ia atirar um tiro disse: “Cuidado, lá vai um balaio!!” A fala dos camponeses do Douro é engraçada. Uma expressão algo exótica é “dar de corpo” (obrar). O Pai tinha sido convidado para ir passar um tempo na quinta do Sr. Jennings que era perto da Quinta Amarela. Foram lá jantar várias vezes.

Viemos para a Granja todos juntos e partimos para Lisboa no dia 6. Eu, o Pai e o Víctor viemos no Nash. Levámos 10 horas. A estrada ótima, exceto perto de Pombal, mas estavam a arranjá-la. No dia seguinte abriam as aulas e entrei no liceu.

Acabou-se o período das férias, um dos melhores que tenho passado. 

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[i] Maria Luísa d’Almeida Brandão, casada com Frederico Abecassis – 1893-1953