Descrição do passeio
a
Évora. Estremoz e Vila Viçosa
De 3 dias
Nas férias da Páscoa de 1930
No “Nash”
“Bastante pormenorizado”
Lisboa, 9 de Maio de 1930
O passeio
O passeio estava já meditado havia alguns dias entre o José, Víctor e eu. Nunca tínhamos visto o Alentejo e tínhamos certa curiosidade em visitá-lo. A Avó Helena emprestou o carro e na 4ª feira, uma semana depois de começarem as férias, ou seja, dia 16 de Abril, tomámos o vapor às 9,20 que nos pôs em Cacilhas às 9,35. Em estrada boa andámos de grande. Fizemos Cacilhas-Azeitão em 33 minutos e Azeitão-Setúbal em 15 minutos. De Setúbal para baixo estrada ótima. Antes de Águas de Moura o carro, coisa esquisita, fazia zig-zag na estrada. Pensámos: aqui anda alguma coisa!? Uma inspiração divina fez-nos parar e … pasmar! Todas as porcas da roda esquerda de trás tinham saltado menos uma que já estava meia gasta!!! Que alívio! Mais uns cem metros e snra. roda saltava fora! Perderam-se vinte minutos com isso na estrada. Águas de Moura já nos deu uma impressão de Alentejo: casas baixinhas, brancas de neve e tudo muito asseado, característica dessa província.
Pegões, só a estação às 11,20.
Canha às 11,35.
Vendas Novas às 11,55.
Montemor-o-Novo às 12,15. Já deu ar de mais importância. Um castelo interessante, mas visto de longe. Aí toma-se outra estrada também boa para Évora. A que seguia ia diretamente a Arraiolos e é a que tomavam para Sevilha.
Chegámos a Évora às 12,45. Impressão muito favorável; asseadíssimo, ruas muito estreitas e interessantes. Distância Lisboa-Évora 162 km que galgámos em 2,50 h., portanto com uma média de 57. Muito bom para o nosso carrinho. Mas tinha-me esquecido de dizer que o Raul também veio connosco.
Hotel Alentejano. Muito asseado, um corredor estreitíssimo e muito fresco, paredes grossíssimas, quarto bom. Almoçámos. Casa de jantar grande, alta, teto de madeira com as insígnias da Inquisição: uma oliveira, uma cruz e um punhal. O Hotel era um antigo palácio da Inquisição.
Depois do almoço metemo-nos no carro e fomos por o Raul no “monte” do Senhor Francisco Calhau a uns 10 minutos de Arraiolos. Muito interessante o Monte dos Clérigos. Imensos cães, mares de azinheiras. Ora por isso é que o Raul ficava aí nessa noite. Todo o Alentejo está cheio de uma moléstia na azinheira, não cresce uma bolota por causa disso, e o Sr. Calhau disse-nos que deixava de engordar 600 porcos, que é um grande prejuízo. Ora vamos ao nosso amiguinho: o burgo.
Chegámos ao Monte dos Clérigos e o Sr. Calhau muito amável ofereceu-nos a casa, mas não entrámos. Então foi-nos mostrar o tal burgo. É um vermesito que faz o casulo nas folhas e se enrola nelas. Há uns verdes como a lagarta da couve e outros escuros. A árvore completamente inundada com isso e o Raul foi para experimentar uma droga para os matar.
Acabada a estada lá voltámos para Évora e fomos visitar a Igreja de S. Francisco, muito interessante. Vimos o Jardim Público muito bem tratado e tentámos ir ver o Calvário mas estava fechado. Évora em si muito pitoresca. A Praça do Giraldo com uma fonta, ruas com nomes muito exóticos: das amas do Cardeal, do alfaiate da Condessa, dos 3 Senhores, etc…
Jantámos e eu deitei-me. O Víctor e José foram ver Mandrágora a uma espelunca de cinema.
No dia seguinte vimos o templo mesmo ao lado do hotel. O homem da biblioteca disse-nos que houve certo senhor Governador Civil que quis acabar com aquilo para embelezar a praça! (Talvez fosse palão!) Em seguida entrámos na Biblioteca. Na entrada estão uns quadros antigos representando Carmelitas descalços. Em frente uma escada que dá para a biblioteca. É algo imponente. Tem 100.000 volumes segundo o bibliotecário. Na sala-museu: na parede estantes. Ao meio vitrines com antiguidades. O homem muto simpático. À roda das vitrines: pedras da idade da pedra polida, vasos romanos, bolsas do correio da “Inquisição de Évora”, moedas, tudo muito mal-arranjado, mas vai ser transferido para outro museu. O homem contou-nos várias coisas: que havia 29 conventos em Évora, etc…
Depois disso vimos o museu de arqueologia com o mesmo homem e a casa da biblioteca. À entrada dois coches: um do bispo de Évora, lindo, mas mal conservado; outro pertencia ao Conde de Cuba. À direita um cofre antiquíssimo do tempo de D. Sancho e que serviu na Inquisição. Além, uma mesa com loiças. Umas do Crato, muito raro. Incrustados na parede imensos brasões, bocados de piso romano, etc. tudo muito bem arranjado. Alguns túmulos: de D. Afonso de Bragança, de Álvaro Costa, fundador do Convento do Paraíso, em estilo renascença, etc… Uma sala só com azulejos, alguns lindos.
Saímos dando 10 escudos ao homem. Visitámos a Sé. Vimos o bispo Manuel Mendes entrar e a cerimónia e … era hora de almoçar. O Sr. Calhau tinha-nos convidado para comer um “ensopado de borrego”, mas não tivemos tempo. Depois do almoço ainda estive a copiar as vergonhosas traduções do regulamento francesas e inglesas, no quarto.
Em francês:
1º Les boissons apportés de dehors payent le bouchon.
2º Pour facilité la comptabilité le client est prié de régler ces notes tous les 8 jours.
3º Nous louons le chambre seule seulement pour une nuit sans repas ce messieurs hôtes continuent en faisant usage des chambres nous les considereront des hôtes de pension même qu’il ne prenont pas leurs repas.
Regulamento em inglês no Hotel Alentejano:
“The days board its counts from morning until night including the room lunch + dinner providing these two meals are taken on the days the borders have no right to the days board, those who take dinner only at night or those who come ut night y go off the following day, after lunch.
Whatever the damage done do rooms during the borders occupation they will made to pay accordingly.
Coffee or tea taken at meal times it will be considered as extras likewise, wines, mineral waters, Liquors, beers, etc. the same not provided by the Hotel a small charge will be made for corking.
… not only by the management but also by the Police Authorities.
Imersive Hoty Cold Baths also (shower) Esc. 5$00.
Partimos de Évora às 3,10. Passámos por Arraiolos às 3,45 e chagámos aos Clérigos depois de ter visto um casal de perdizes atravessar a estrada muito sossegados e sem levantar voo. Fomos ver a casa do Sr. Calhau. Uma casa rústica, mas com eletricidade e água encanada. A lareira muito engraçada.
Saímos de lá às 5,45 Para Estremoz. Vimieiro às 6 e Estremoz às 6,30. Para o Palace recomendado pelo A:C:P: Saímos até ao jantar. É engraçada a vila. Depois do jantar pedimos cartas e jogámos copas no quarto do José e do Raul.
No dia seguinte de manhã saímos às 10,15 para Vila Viçosa. Tem casas muito boas e é muito bonito. O palácio é um colosso! Salas e mais salas. Ficámos banzados com as armas do rei. A quantidade é espantosa! De toda a espécie possível. Espingardas, caçadeiras, carabinas, revolvers lindos, etc., tudo lindamente tratados por um alferes que vai lá limpá-las todos os 15 dias.
A sala dos duques é enorme. Nas paredes estão os quadros de todos os duques de Bragança. A sala de jantar enorme com uma mesa para 50 pessoas! A cozinha colossal. Panelas piramidais e formas para bolos de toda a espécie! Os quartos dos reis, das aias, etc… Tapetes lindo! É fantástico. A mulher que nos mostrou muito simpática.
Tínhamos chegado lá às 10,35 e saímos eram 12,10. Em Borba tirei um retrato a uma fonte bonita. Voltámos e almoçámos em Estremoz. Saímos de lá às 2,20. Vimieiro às 2,40. Arraiolos às 2,55, Montemor-o-Novo às 3,10 e Azeitão às 5,15. Lá encontrámos a Tia Merita e Pais. Fomos tomar chá a casa dos Soares Franco. Nessa noite jantámos em casa da Avó Helena.