“Narratio” (latim)
Comecei a fazer planos da viagem quando senti roncar o Buick “8” de 7 lugares definitivamente na nossa garagem. Consultei mapas, prospectos, e estava quase decidido ir à Bourboule fazer uma cura e depois darmos a volta das Dolomites, mas afinal não seguimos completamente este projeto por causa do Victor cujas férias não davam tempo para tanto e por outros factos que adiante explicarei.
Ficou então combinado atravessarmos rapidamente a Espanha e a França em etapas pacíficas até à Bourboule, e lá, depois do tratamento, decidiríamos novo rumo.
Depois duma curta estada em Benfica, já com o Víctor, dormimos em casa a noite de 6 de Julho e no dia seguinte, 7 de Julho, quinta-feira, com o automóvel novinho em folha, acrescendo de grandes malões nas traseiras e no teto, partimos para uma viagem que decorreu o melhor possível e, pela única mas forte razão de irmos de automóvel, uma das mais confortáveis e agradáveis que temos feito.
Quando nos metemos no carro o conta-quilómetros marcava 2.500 km. certos. Estava uma manhã soberba e tomámos o ferry-boat de Cacilhas às 8,30 h no Cais do Sodré. Ia, por acaso, no mesmo barco o Sr. Soares Franco que nos esteve a contar todas as confortabilidades de que gozam os viajantes em automóvel e que ele já tinha experimentado. Assentámos então as rodas na outra banda do Tejo, não a largando senão uns dias depois, que o atravessámos de novo em Espanha.
Em Azeitão parámos em casa do Sr. Soares Franco que tinha chegado antes de nós no seu LaSalle. Ofereceu-nos umas garrafas de vinho moscatel e abafado para a viagem, mas não lhes tocamos quase e vieram parar às mãos da M.lles Couturon, de presente!
Ao meio-dia parámos em Arraiolos onde comprámos uma carcaça de pão e saciámos a nossa fome nuns campos à beira da estrada antes de Estremoz. Por um camponês que por ali passava soubemos que aqueles “montes” todos pertenciam ao Sr. Calhau que tínhamos conhecido na nossa ida ao Alentejo em 1930. Não estava um calor de rachar, mas esperávamos sofrer em Espanha.
Logo a seguir a Elvas, cidade muito interessante ainda toda fortificada, parámos por debaixo do alpendre da Guarda Fiscal da fronteira portuguesa, e, apesar do alpendre começámos a sentir a possância das radiações caloríficas! Os guardas foram benevolentes e não nos incomodaram muito, nem tão pouco na fronteira espanhola, onde atrasámos os relógios 1 hora visto a Espanha não ter a hora de verão.
Queríamos dormir em Trujillo e como tínhamos ainda tempo (fazíamos uma média de 70, que conservámos toda a viagem), por volta das 5 horas (espanholas) parámos em Mérida.
Desde Badajoz que a aridez da paisagem era constante, campos e campos sem uma árvore sem uma elevação. À entrada da cidade atravessámos uma bonita ponte romana sobre o Guadiana. Mérida está cheia de coisas antiquíssimas e muito interessantes: no tempo da dominação romana na península, chamava-se Emerita Augusta e teve o seu auge de desenvolvimento e importância como capital da Lusitânia.
Vimos as interessantíssimas ruínas dum circo e dum anfiteatro romano e subimos e descemos aquelas vetustas escadas onde com certeza milhares de pessoas devem ter assentado as usas nádegas romanas!!
Vimos depois o arco de Trajano, linda obra de engenharia e resto de um antigo aqueduto, e o Museu Arqueológico que contem inúmeras estátuas, utensílios, mosaicos, vasos, etc. encontrados em escavações fora e dentro da cidade.
Tomámos um refresco num café e começámos de novo a rodar em estrada ótima e com uma tarde linda.
Atravessámos extensíssimos campos de figueiras e seguimos de perto durante algum tempo a serra de Guadalupe. Chagámos a Trujillo ao fim da tarde, quase ao pôr do sol, tendo os montes em volta uma cor arroxeada, linda. Tínhamos feito nesse dia 420 quilómetros muito agradáveis, completando a 1ª etapa da viagem.
Trujillo é uma pequena mas muito antiga vila, de alguma importância e tendo muitas tradições históricas. Parámos em frente do Hotel Cubano, construído por ocasião da Exposição de Sevilha, sendo então Trujillo o ponto de “pernoitagem” dos milhares de visitantes que vinham do norte.
Ainda encontrámos o hotelzinho muito asseado e assaz confortável, só destoando a comida! Depois do jantar demos um passeiozito pela vila e fomos ter à praça, espécie de pequena praça de província, com bancos, árvores, um pequeno restaurante. Impressionou-nos logo a animação e alegria espanholas! Dezenas e dezenas de rapazes e raparigas e alguma gente crescida passeavam de braço dado, falando, rindo, etc. em filas e à roda da praça; outros sentados em bancos, enfim, os sempre alegres “chicos” e “chicas” espanhóis. Abundavam nos grupos carinhas muito engraçadas seguidas, é claro, de alguns “chicos”.
No dia seguinte, nós três, saímos para a rua cedo. Atrelou-se-nos logo um “fainéant” espanhol que não foi de todo inútil, mas com o guia Michelin íamos para toda a parte. Vimos as coisas mais interessantes a ver, de máquinas em punho. Ficámos logo banzos com a quantidade de cegonhas que tinham os seus ninhos em todos os tetos. Dava um ar muitíssimo pitoresco. Havia às vezes 5 e 6 num ninho e apareciam nas janelas das casas em ruínas.
Por ruas estreitas desembocámos na praça principal. À direita entrámos num enorme palácio, dos duques de S. Carlos. À esquerda outro grande palácio onde viveu Francisco Pizarro e com um enorme brasão na esquina. Subimos depois à vila velha , repleta de ruínas interessantes, entre elas a da casa onde nasceu Francisco Pizarro, o conquistador do Perú, e que conserva ainda, por cima da porta, ogival, o seu brasão em pedra e constituído por uma árvore, com um porco a trepar por ela, do lado esquerdo. Este porco confirma a tradição de que Pizarro era guardador de suínos antes de ser navegador.
Voltámos ao hotel e partimos às 11,20 h. com um dia soberbo. Estrada ótima, mas paisagem árida. Tínhamos um esplêndido mapa Dunlop e eu é que dirigia quase sempre a viagem, era o encarregado turístico. Depois de Puerto de Miravete começa o terreno a acidentar-se e atravessámos o Tejo avistando ao longe a Serra de Gredos. A seguir a Navalmoral de la Mata entrámos na província de Toledo.
À hora do almoço parámos em Ovopesa e perguntámos pelo “Parador”, que nos tinham recomendado em Trujillo e que não sabíamos de todo o que era, Pela aparência da aldeia não estávamos com grandes esperanças sobre a “bondade” do tal Parador, que afinal é outro hotel de paragem para os turistas de Sevilha!
Deparámos com um edifício enorme, com uma fachada velha e quase em ruínas, enfim, nada que se parecesse com um hotel. Entrámos e fomos dar a um pátio interior muito interessante e antigo com arcadas de colunas e no 2º andar uma varanda toda em volta. À direita umas escadarias ao ar livre e umas torres medievais. Estávamos intrigados! Por fim descobrimos umas escadas por onde enveredámos e fomos ter à varanda. Aí abrimos uma porta e entrámos, espantados numa sala enorme e lindamente arranjada com tapetes, pratos nas paredes, bonitas mobílias e quadros, um verdadeiro hall. A dona veio ter connosco, pedimos o “almuerzo” e foi-nos mostrar, entretanto, o resto da casa com que ficámos banzos. Quartos de cama esplêndidos, com ótimos quartos de banho “dernier cri” do conforto, uma saleta “cosy” ao máximo e um belo aparelho de telefonia. Estava tudo um pouco às escuras o que intensificava o “thrill”. Entrámos na casa de jantar, muito engraçada, mobiliada simplesmente de madeira escura e as mesas com lindas toalhas. A Mãe gostou tanto das toalhas que encomendou uma igual com guardanapos que a “hostess” nos mandou depois para França. A loiça era rústica, mas com imenso “cachet” e sabia lindamente comer nela, além da comida ser ótima.
Saímos de lá bem alimentados e com uma belíssima impressão daquilo. Começámos de novo a andar a 80 km/hora constantes, e em frente do Castelo de Maqueda, linda ruína de castelo feudal lindamente conservado, virámos à direita para Toledo.
Bastante antes começámos a ver a cidade cujo aspeto de longe é lindíssimo, pela sua situação, empoleirada em 7 colunas e pelo panorama dos montes de Toledo.
Numa parte estreita da estrada apareceu-nos pela frente um camião enorme e a fazer um barulhão. Por mais que tocássemos o homem não nos ouvia, mesmo a nossa buzina era fraquíssima. Como era a subir e ele ia muito devagar, saltei do carro, corri até ao camião e no meu espanhol mais puro e amável pedi ao homem que arredasse para o lado para podermos passar!
Já perto da cidade encontrámos um grupo de operários que vinham do trabalho, escoltados por meia dúzia de guardas a cavalo. Reinava então grande efervescência no proletariado.
Entrámos pela porta de Visagre, uma das famosas portas da cidade e como tivemos que parar para indagar caminho fomos logo assaltados por 3 guias, que não nos largaram até que ficámos com um deles. Eram então umas 5 h. e tivemos tempo de ver muita coisa ainda.
Toledo é uma das cidades mais importantes de Espanha tanto sob o ponto de vista artístico como sob o ponto de vista industrial e comercial.
Por toda a parte se encontram vestígios da sua antiguidade, e as suas ruas estreitíssimas, calcetadas de grandes lajes são talvez uma das suas características principais. É sem dúvida uma das cidades mais ricas em monumentos e tradições históricas.
Assim que chegámos e com o guia em pé no estribo começámos logo a visitar as coisas importantes da cidade baixa, pois o hotel ficava num nível muito superior.
Entrámos na velha sinagoga, chamada “Sinagoga del Transito” que ainda apresenta vestígios da sua riquíssima arquitetura: uns frisos em baixo-relevo, estilo mourisco e representando letras hebraicas.
Este templo pertenceu depois à Ordem de Calatrava e hoje ainda existem no chão alguns túmulos. Ali perto fomos ver a casa e o museu de El Greco. El Greco, cujo verdadeiro nome era Domenico Theotocopuli, foi um famoso pintor grego do século XVI que, depois de ter estudado em Itália, se estabeleceu em Toledo onde pintou as suas melhores obras. Seguiu primeiro a escola italiana, mas depois quis produzir um estilo novo e original que muitas vezes deu mau resultado, Tem cores muito monótonas e conhece-se imediatamente um quadro de El Greco. O museu tem uma boa colecção de quadros dele que fomos ver.
A casa onde ele habitou é muito interessante por ser muito antiga e também por ter primeiro pertencido a um Rabi Levi que era tesoureiro de Pedro o Cruel. Há ainda um enorme subterrâneo com abertura no jardim, e que comunicava, por compridas galerias, com o rio para em caso de perigo, fugir e pôr a salvo o seu tesouro, pois ele era riquíssimo.
Vimos depois a Igreja de S. Juan de Los Reyes construído por Fernando e Isabel e com um claustro lindo.
Essa parte debaixo da cidade está repleta de lojas que vendem tudo quanto há em aço, o belo aço toledano, como sejam tesouras, lâminas, canivetes, facas, etc. Lindo trabalho. A cutelaria é mesmo a principal indústria de Toledo. Entrámos em algumas, mas fazia dó ver a inação daquelas lojas: nem um turista, nem um comprador!
Para acabarmos a tarde fomos à outra banda do rio, a um miradouro donde se tem uma vista soberba sobre a cidade, assente nas 7 colinas e com vários grandes edifícios que se destacavam. Essa margem está dividida em dezenas e dezenas de pequenos pomares e hortas chamados “cigarrales” e que fornecem a cidade de frutas e legumas.
Voltámos e estabelecemo-nos no Hotel Castilla, hotel muito razoável e com um ótimo hall e bons quartos. Tomámos o nosso banho do costume, higiénica medida, imitada do Pai que não podia passar sem se espanejar numa banheira, quando ficávamos num hotel!! Da janela vimos imensa gente a tomar banho no Tejo, onde nas margens havia algumas casas de madeira, que serviam de clubes de natação.
O hotel estava vazio também, mas nem por isso o jantar foi pior e à noite demos um giro para refrescar. Entrámos numa loja de antiguidades e de lembranças, etc., em frente ao hotel e lindamente arranjada. Imensa loiça num dos quartos, jarros, pratos muito bonitos, mas não podíamos levar nada.
Acordámos no dia 9 de Julho. Saímos cedo e fomos direitos à Praça de Jocodover, a mais importante, o “Rocio” de Toledo. Esta toda rumorejante de gente ativa e inativa em grupos palreando; imensas camionetas e camponeses, animais, etc… Dum dos lados vimos um arco e descemos os degraus até à rua e em frente vimos uma verdadeira estalagem à antiga, com um portão muito típico e um pátio interior antigo com colunas de madeira sustentando o telhado. Havia alguns carros antigos muito pitorescos. Nessa hospedaria, a “Posada de la Sangre” escreveu Cervantes uma das suas obras.
Fomos depois à célebre Catedral, a mais rica da Península, talvez, depois da de Sevilha. Foi começada em 1227 e levou perto de 300 anos a ser construída, toda em estilo gótico. Por dentro é uma maravilha de arte e riqueza. Numa das muitas capelas vimos a armadura de D. Duarte de Almeida, o famoso “Decepado”, e o seu estandarte. Nessa capela estão também os túmulos de Henrique de Trastâmara e D. João I de Castela o vencido de Aljubarrota. Henrique tinha assassinado seu irmão D. Pedro o Cruel e usurpou-lhe o trono de Castela; mas segundo diz a lenda foi depois morto pelos amigos de D. Pedro que puseram pregos envenenados num dos seus sapatos.
Descemos depois por várias ruas, estreitíssimas e tortuosas guiados por um rapazinho muito simpático que esteve connosco até ao almoço. Fomos à Capilla de S. Tomé, que, como templo, é pequeníssimo e pouco interessante mas vimos lá o quadro melhor, talvez, de El Greco: o “Enterro do Conde de Urgaz”, lindíssimo.
Entrámos a seguir na Igreja de Sta. Maria La Blanca, que tinha sido uma sinagoga em tempos remotos. É interessante, cheia de colunas brancas e um balcão dos dois lados, com as varandas trabalhadas lindamente, e onde as senhoras assistiam à cerimónia.
Acabou essa manhã artística pela visita ao Alcazar, que tem um pátio lindo e que hoje é o Museo de Artelharia, e a um museu de numismática, interessantes.
Almoçámos e fora de portas ainda tivemos a genica suficiente para descer do carro e ir ver o Hospital de Sta. Cruz, edifício lindo e que tem uma farmácia antiquíssima, que dizem ser a mais completa do mundo e que realmente é interessantíssima. Boiões, tijelas, em lindíssima loiça antiga, alambiques alquímicos, frascos, etc…
Saímos para Madrid às 2,30 h. Tempo sempre ideal, sem muito calor, estrada magnífica. Dali a uma hora estávamos em frente de Madrid, que atravessámos, sem parar, em meia-hora.
A estrada para Burgos esplêndida. Tínhamos saído de Madrid às 3,30 h. e chegámos a Burgos, depois de atravessa o Douro em Aranda de Duero, às 8 horas. Completámos assim a 3ª etapa da viagem. Eu já conhecia Burgos por alto quando passei por lá com o Tio Fred em 1929, mas desta vez vi a valer.
Como cidade é boa, com ruas largas e tem uma esplêndida esplanada à beira-rio: o Paseo del Espólon. Jantámos e hospedámo-nos no Hotel [não nomeado] e à noite havia festança grossa no Paseo del Espólon. Tudo iluminado, muita música, muita dança e sempre a alegria e animação espanholas. Havia imensas barracas onde se faziam “churros”, umas deliciosas lombrigas de massa frita (da parte culinária não entendo muito) e que pedimos “dorénavant” sempre para o nosso almoço da manhã em França. Eu e o Víctor voltámos para o hotel um bocadinho mais tarde. No Domingo, dia 10, catedral. Deve ser uma das 10 maravilhas do mundo, tanto pelo exterior como pelo interior. Começou a construir-se em 1221 em plena Idade Média no reinado de Fernando III, o Santo. A decoração do interior, o coro, as capelas, o altar-mor é um assombro.
Das capelas, a mais bonita é a do Condestável construída no séc. XV, e que um autor denomina “a jóia da Catedral de Burgos”.
Numa outra capela vimos uma arca de ferro antiquíssima que dizem ser o cofre do Cid, o guerreiro célebre.
À saída da catedral onde passámos toda a manhã, o Víctor desapareceu e foi para uns campos, à procura do lugar propício para uma fotografia: eu tirei algumas.
À tarde fomos no Buick visitar primeiro a Cartuja de Miraflores, convento muito conhecido. Foi primeiro um palácio mandado construir por Henrique III que depois de morto, legou a sua casa a um mosteiro.
DETALHE DA CATEDRAL DE BURGOS
Dentro é muitíssimo interessante, com um coro lindamente trabalhado e os túmulos lindos de João II de Castela e da sua mulher D. Isabel de Portugal, trabalhados pelo célebre Gil de Siloé.
ENTRADA INTERIOR DA CARTUJA DE MIRAFLORES
Hoje em dia em habitam o convento muitos frades da Ordem dos Cartujos, que só falam uma vez por ano.
A vida deles passa-se a cultivar o jardim e horta, a comer e a rezar.
Visitámos depois o mosteiro de las Huelgas, também muito interessante, mandado construir por Afonso VIII em 1185. Está cheio de túmulos dos antigos reis e rainhas, todos em pedra e com as respectivas armas; vimos lá dentro também o pendão que Afonso VIII levou na batalha das Navas de Tolosa e que segundo uns é um pedaço da barraca de campanha riquíssima, de Muramamolim, rei de Marrocos derrotado na dita batalha.
ARCO DE SANTA MARIA E OS PINÁCULOS DA CATEDRAL EM BURGOS
DETALHE DO MOSTEIRO DE LAS HUELGA BURGOS
Acabámos a tarde em S. Pedro de Cardeña, a 10 Km. da cidade e situado no meio duma bela mata. É um enorme convento, velho e desabitado, cuja fama provém das recordações que evoca do Cid Campeador. Daqui partiu ele para o desterro ficando a sua mulher e filhas ao cuidado dos monges. Durante muito séculos ficaram ali os restos deste insigne caudilho e de sua família.
Enquanto estávamos à espera que abrissem a porta, chegou uma senhora no seu Lincoln com chauffeur e criada. O pai meteu conversa e visitámos tudo com ela. Devia ser uma senhora de alta estirpe e ter alguma massa!!
À volta ainda havia sol e fomos dar um giro pela vila onde vimos ainda a Casa del Cordon, muito interessante por fora, e mandada fazer pelo Condestável conde de Haro.
No dia seguinte, segunda feira, 11, meus anos partimos de novo, com tenções de dormir em França. Outro dia lindo.
Atravessámos o imponente “Desfiladero de Pancorvo” e almoçámos num bom hotel em Vitoria. Como havia quase sempre polémica e discussão a respeito da estrada a seguir, desta vez cedi e fomos por uma estrada alcatroada por sorte, mas que não era a estrada clássica para França. Passámos por Vergara. Os Pireneus estavam bastantes cobertos de nevoeiro.
Em Behobie, a fronteira, foram muito amáveis e não nos massaram sobremaneira. O guarda era muito simpático e até em conversa nos disse: “Ne voyagez jamais la nuit, roulez le jour et la nuit dormez”!
Chegámos a Biarritz às 7 e fomos para o hotel. Chovia a potes e trovejava. À noite para festejar os meus anos fomos a um cinema ver uma fita boa de espionagem. Voltámos para casa numa velha carripana a cavalo, nestes tempos modernos, peculiar a Sintra e a Biarritz!! Havia muito tempo que não andava num trem!
No dia 12, terça feira começámos às 10 h. a nossa 5ª etapa, com estrada esplêndida mas tempo medíocre.
Em Dax almoçámos no Hotel Splendide, realmente um esplêndido hotel, enorme e moderníssimo. Pela tarde fora andámos sempre, passando por Mont-de-Marsau, Casteljaloux, Marmaude, Bergerac, Perigueux e por fim Brive, onde parámos às 8h. para comer e dormir.
No dia seguinte aliviámos o carro das malas e partimos cedo para a região das grutas da Vallée de la Dordogne, que já tínhamos visto em 1930 mas não com o Pai.
Voltámos a ver com imenso prazer Lacave, Les Ezies, La Grand Roc, Rocamadour e o Gouffre de Padirac. É ótimo ver as coisas duas vezes pois tem-se muito mais interesse na segunda visita e fixam-se então para sempre.
Voltámos a Brive onde dormimos outra noite e, no dia seguinte, 14, saímos para a nossa 6ª e última etapa, até a La Bourboule. O tempo mau, a chover. Atravessámos Tulle, Ussel e Bourg Lastic e chegámos sãos e salvos à porta da Villa Borghèse onde a M.elle Couturon, a dona desse esplêndido hotel nos recebeu e nos deu quartos.
Os resultados técnicos foram os seguintes:
Kilómetros andados: 2110
Gasolina gasta: 510 litros
Consumo: 24 litros aos 100 km.
LA BOURBOULE
Nesse dia em que chegámos, 14 de junho, 5ª feira, fizemos o que de costume se faz quando se chega a um lugar onde se fica por algum tempo: despejar as malas e ir ao correio.
A Villa Borghèse tinha muita gente mas nesse primeiro dia como éramos recém-vindos não fizemos conhecimento com ninguém. Saímos depois do jantar e fomos ao Casino. Vimos andar por lá uma pessoa bastante engraçada e por isso dali a pouco o Víctor foi pedir-lhe para dançar. Daí nasceu um pequeno idílio que não tomou proporções! Chamava-se Andrée e vivia na Argélia.
No dia seguinte, recomendado pela Mlle Couturon fomos visitar o Dr. Ferregroles, talvez o médico mais conhecido da Bourboule. É colecionador de antiguidades e tinha em casa coisas muito bonitas. Tem pelas paredes inúmeros retratos com dedicatórias da rainha da Romania, a família de quem foi médico.
Contou-nos que tinha estado em Portugal num congresso e que tinha conhecido e admirado muito o professor Edgar Moniz. Tinha como criado um preto bem vestido e quase um “gentleman”.
Receitou-nos vários tratamentos, inalações, duches.
Dia 16 –
Começámos com o tratamento de manhã. Estava um dia péssimo. À tarde fomos ver o Concurso Hípico, mas estava muito desagradável.
Dia 17, Domingo ~
À tarde fomos a Royat ver a tia Bela, que eu não conheçia bem e que achei uma simpatia.
No mesmo hotel visitámos também uma senhora Hirsch, americana amiga da tia Rachel e muito simpática mas com um positivo focinho.
À noite começámos a conhecer alguém no hotel. Uma senhora e filho americanos, Hines, muito simpáticos; a Régine de Gonay e irmãos muito simpáticas, etc.
Dia 18 ~
De manhã como sempre ocupado pelo tratamento. Tempo mau. Victor foi dar uma lição de alta escola com Capitaine Bernard no picadeiro, mas o preço não sendo nada convidativo foi a primeira e a última!
À tarde fomos tomar chá ao Mont Dore na Reine Margot; levámos a Hélène Oulmann.
Dia 19 ~
Pai e mãe foram de manhã a Vichy ver alojamento para o pai, etc. À tarde Victor foi ao Lac Pavin no Buick de Jack Hines. À noite fomos ao Casino ver “Le Roi” com o Boncat. Uma das peças em que mais me tenho rido na minha vida!
Dia 20 ~
Jogámos tennis, um bom double com meu senhor Kalterbach, que tinha uma catita Hotchkies e outro parceiro de ocasião.
Dia 21 ~
Jogamos tennis com uma rapariga calmeirona que estava também na Borghèse: Janine Salles.
Dia 22 ~
Victor recebeu uma carta com a formidável notícia de que tinha passado o exame! Eu e ele acompanhámos o Pai a Vichy depois do almoço. O Pai fica
em Vichy no Thermal Hotel para tratamento. Vimos as manas Marks e tomámos chá com elas no Capini.
Dia 23 ~
À tarde fomos com Mãe e filhos Hines ao Mont-Dore chasar à Reine Margot. Depois de voltarmos fomos os 3 à Roche Vendeix onde se tem uma linda vista da cidade. Lá, falando sobre vários assuntos o Jack disse Mide Guichelin, um bom trocadilho de Guide Michelin!
Dia 24 ~
Houve um concurso de balões em casa de M.me Dreyfus. Cada pessoa que compra um balão pendura-lhe um postal com a sua morada e deixa-o fugir. Dias depois fecebe-se o postal e pelo carimbo ou pelas indicações de quem o encontrou se vê qual foi mais longe e quem ganhou. (É uma espécie de concurso postal). O ano passado foram dois parar à Suíça! Jogámos depois tennis com Régine.
Dia 25 ~
Houve um torneio de tennis organizado pelo “Écho de Paris”. Victor inscreveu-se e teve logo uma primeira partida renhidíssima! Conseguiu bater o adversário ao fim de 43 jogos!!
Dia 26 ~
Fomos ao Mont-Dore esperar Leonardos que nos traziam umas cabin-trunkes. À noite vimos ‘deux fois 2’ e com Gabaroche no teatro do Casino – bom.
Dia 27 ~ Chuva todo o dia!
Dia 28 ~
Victor jogou o final do torneio e nessa foi batido.
Eu joguei com M.me Lepelletier e Régine.
Dia 29 ~
Fomos ter com os Leonardos ao hotel deles no Mont-Dore com Jack Hines. Alí preparámos-nos para um pedaço de alpinismo e nós 6 partimos para o sopé de Sancy. Estava um dia idealíssimo!
O Puy du Sancy eleva-se a 1886 metros acima do nível do mar e é o ponto mais alto do “Massif Central”. Chegámos ao Caf´ du Pied du Sancy e aí deixámos o carro trocando as penas pelas rodas! Começámos a ascenção cheios de ardor alpinístico e levamos 1h30 até o cume onde há uma “table d’orientation”. Todo o caminho é lindo e lá do cimo o panorama é espantoso. Avista-se todo o maciço do Mont-Dore, vales, montes, riachos e o lago Chambon na distância. Cenário maravilhoso e se jamais tiver ocasião farei uma 2ª ascensão.
O PUY DU SANCY
Voltámos por outro lado da montanha, o caminho dos burros, pois também se sobe de burro! Isto é um esclarecimento pois podia haver equívoco com a última frase!!…
Este foi o 1º passeio bom da temporada e começámos com ele uma série de excursões que nos levaram a conhecer a Auvergne como pouca gente!
Dia 30 ~
Foi o 1º bom passeio no nosso carro. Comprei o guide Michelin da Auvergne que é uma preciosidade auxiliar e também me forneci de mapas Michelin com que lido lindamente. Buscámos o Leonardo e Jeanne no Mont-Dore e fomos a Besse-en-Chandesse e depois ao Lago Pavin.
Besse é uma pequena vila bastante antiga, a 1.050 metros, de altitude, conserva uma igreja; ‘l’église St. André’ do século XII; uma rua muito pitoresca com casas muito antigas construídas com lava, rocha tão abundante nesta região vulcânica. Perto da praça há uma casa que dizem ter pertencido a Reine Margot, mulher de Henri IV e duquesa d’Auvergne.
Depois fomos ao lac Pavin, maravilhoso lago, que enche uma velha cratera; é rodeado de densas florestas e rochas que lhe dão uma luz monótona e melancólica, peculiar. Tem 100 metros de fundo e pescam-se nele belas trutas.
Dia 31 ~
Organizámos um passeio com M.me Lepelletier e família, Hunes e Régine. Fomos por Latour d’Auvergne, Montboudif e Condat-en-Féniers às gorges de la Rhue. É um vale arborizado e muito pitoresco por onde corre o Rhue. Tomamos chá em Bort-les-Orgues, um terraço sobre a Dordogne. Fomos depois aos céebres “orgues” que são pilares basálticos muito interessantes.
Voltámos à Bourboule por Tauves na estrada de Clermont – N. 122. Um passeio de 120 quilômetros.
Dia 1 de Agosto ~
Chuvoso. Soubemos que os franceses tinham ganho a taça Davis!
Dia 2 ~
Fomos a Vichy ver o Pai e almoçámos com Jeannette e almoçámos com Leonardos e Soutos. Encontrámos lá Jack Hines cuja mãe ficou lá; ele desafiou o Victor a voltar com ele e vieram por Thiers e Billom. Nós voltámos por Rioms; (Guant e Argneperse antes, era o caminho do costume.) Aí bifurcamos para Châtel-Guyon onde encontrámos
Chicos e Pettavers no jardim. O nosso itinerário para Vichy era sempre: Rochefort Montagne, Clermont, Riom, Argneperse e Gannat, um trajeto de 122 quil. que fazíamos em poucos minutos mais de que duas horas. Estrada muito boa.
Dia 3 ~
Subimos ao Capucin e fomos patinar um pouco depois do chá com Castro Freires que eram aficionados naquilo e o Leonardo um perfeito “alho”. À noite vimos uma fita engraçada: “Coup de Roulis” com Max Dearly.
Dia 4 ~
A Mãe e Leonardos foram à tarde para Vichy no Buick e passaram lá a noite para ouvir ópera. Nós jogamos tennis e à tardinha fomos visitar os Pettavers que tinham chegado.
Dia 5 ~
M.me Pettavel convidou-nos a tomar chá na Marquise de Sévigné’. No fim chegou a Mãe e demos todos um giro pela vila, conversando.
Dia 6 ~
Chegou Dr. Pettavel. Nós jogamos tennis.
Dia 7 ~
Conbinámos com os 4 Leonardos fazer um grande passeio. O carro ia ‘full up’ com 8 pessoas fora o Pi! Partimos às 2h para um lindo motoring-tour. Por Condact fomos a Riom-ès-Montagne. Pouco depois passámos Cheylade e um lindo vale onde corre a “Rhue de La Cheylade”. Ao fundo para o sul avistam-se os imponentes picos do massisso do Cantal que ainda queríamos ultrapassar. Estrada mazinha como as demais da Auvergne que é muito pobre no nesse sentido. No Col de Serres onde a estrada começa a levantar-se pela encosta do grande e majestoso vale, o carro aqueceu de tal maneira que teve de parar! O panorama era constantemente magnífico. Aí já estávamos a 1364 m! A última etapa puxada era o Pas de Peyrol. Até lá, a estrada tinha uma inclinação de 10%! Aí descemos todos e começamos a ascender o Puy Mary. Estávamos a 1589 m. A subida ao pico é puxadíssima. As senhoras, a Mãe e Jeanne ficaram a meio. Pedras, subida íngreme e estreita, 2 precipícios, etc. Do cume a vista é fantástica sobre todo o Cantal com os seus antigos vulcões hoje reduzidos a montanhas arredondadas. O cume tem 1787 m de altitude.
Voltamos pela Vallée du Folgoux, linda. À saída do col de Peyrol a inclinação da estrada é 14%! Passamos o col de Néronne e parámos em Salers. É uma vila no departamento do Cantal que é muito admirada por arqueólogos, etc., pois tem um cunho antigo muito interessante. Parámos para dar um giro. Vimos a igreja do século XVI, cujo interior contém algumas obras interessantes. Uma “mise au tombeau” feita de pedra de diversas cores, interessante; 5 tapeçarias d’Aubusson e 2 quadros supostos de Ribera. A Grande Place é extremamente pitoresca com as suas velhas casas de lava escura, com os seus vetustos torreões.
Voltámos por Mauriac e Bort, chegando a casa às 10 da noite. A M.me Couturon, sempre tão amável arranjou-nos um jantar frio, ótimo. Fizemos ao todo 210 Km.
Dia 8 –
Jogámos tennis à tarde.
Dia 9 –
Levámos Pettavers a Royat onde encontrámos o Pai com Mr. Marks, Chicos, Rita Ferrão e Maria Vasconcelos. Visitámos a célebre fábrica de chocolate “A la Marquise de Sévigné”. Eu e o Víctor demos uma saltada a velha igreja St. Léger, que é um edifício muito interessante, um exemplo de igreja fortificada frequente no Languedoc e na Provenca. É do século XII.
IGREJA FORTIFICADA DE ROYAT
Dia 10 –
Jogamos tênis à tarde.
Dia 11 –
Tínhamos combinado com Leonardos fazer um grande passeio ao Puy, que nos tinha sido tão recomendado. Fomos nós 4 com Leonardos, pai e filho, só!
Fizemos um necessário “tour de force” e às 8h. saímos do Mont Dore! Passando pelo imponente e lindo col de la Croix Morand, pelo lac Chambon e castelo de Murols, já nossos conhecidos, atravessamos St. Nectaire outra das numerosas estações termais da região. A seguir, Champeix, Issoire onde metemos na estrada N.9 e depois N.102 até Brioude. Belas rectas. Depois sempre N.102 sem nada mais de notável a não ser o lindo panorama, sempre. Antes de la Puy dum ponto da estrada avistava-se o planalto interessantíssimo de Polignac, uma autêntica mesa de basalto, berço duma família de príncipes ilustres. O Puy é um sítio universalmente conhecido, não só pela sua natural beleza, mas também pela fantasia que guiou a natureza e os homens na confecção das suas principais curiosidades. É uma vila construída em redor, escalando e no cimo, de quatro ou cinco espantosos picos vulcânicos que de longe tem um aspeto extraordinário. Além disso o Puy é uma vila muito antiga e no conjunto uma das maiores curiosidades da França. Os 2 picos principais são o “rocher Corneille” e o “St. Michel d’Aiguille”.
O PLANALTO-MESA DE POIGNAC
Antes do almioço vimos ainda a catedral Notre Dame du Puy, com a sua fachada feita de lava de cores diversas; muito característica é um monumento único no seu género na arte “romana-auvergnate”.
Há um santuário religioso no Puy desde o século V e a construção desta atual catedral levou séculos e foi feita por partes que se destacam nitidamente.
No interior é também digna duma vista, tem um claustro muito interessante. Uma das entradas, a ‘Porche du For’ é muito curiosa.
Depois almoçamos assaz piviamente sem bebidas geladas e o calor era razoável! Depois da pança satisfeita subimos ao rocher “Corneille”, onde construíram no cume uma virgem enorme, em 1860, com o bronze de 200 canhões tomados em Sebastopol. Entrámos dentro desse colosso e subimos até à cabeça que é uma confortável varanda, donde se tem uma vista soberba! Tem 16 metros de altura.
UMA DAS AGULHAS LE PUY
Fomos a seguir ao outro pico, este muito abrupto e difícil de escalar; tem no cume uma capela “St. Michel d’Aiguille” do século XI ! Tem uma fachada muito curiosa, mosaicos antigos com pedras de muitas cores.
CATEDRAL – LE PUY
Por volta das 3 horas tínhamos visto o importante e decidimos fazer um dérour La Chaise Dieu, também muito recomendado. À saída desta cidade que não será fácil de esquecer, ainda passámos pela “Tour Pannessac último vestígio das 18 portas fortificadas, com 2 torres que possuía a muralha edificada pelos bispos do Puy. Tem um andar guarnecido de “mâchicoulis[1]“!
Passámos também em frente da igreja St. Laurent do século XIV que contém um túmulo com as vísceras de Bertrand du Guesclin. Seguimos para la Chaise Dieu, na entrada N 106 por St Paulien. Ainda chegámos a tempo de ver bem a conhecida abadia, bom exemplo de arte gótica na Auvergne, datando do século XIV.
CLAUSTRO – CATEDRAL DO PUY
No interior vimos o famoso “fresque de la Danse Macabre” representando a morte arrebatando consigo todos os poderosos do mundo, os burgueses e os operários. Tem um coro soberbo por cima do qual estão penduradas admiráveis tapeçarias flamengas do século XVI, representando cenas do antigo e novo Testamento acompanhadas de legendas em caracteres góticos. Ao meio do coro há o túmulo do papa Clemente VI, que tinha sido frade da abadia.
O Claustro é interessante, mas já muito mal conservado. Vimos também a sala do Eco. Eu e Victor pusemo-nos nas 2 extremidades em diagonal da sala, nos cantos e de costas um para o outro, falámos baixíssimo e ouvimo-nos muito bem!
L’ABBAYE = LA CHAISE DIEU
Estava um dia soberbo e foi o passeio “gordo” da temporada: chegámos a casa às 8 30 p.m., tendo feito ao todo 330 quilómetros.
Da Chaise Dieu fomos a Brioude e voltámos pelo mesmo caminho.
Dia 12 ~
Tennis. Jogávamos tennis dia sim dia não geralmente, com passeios dia sim dia não também.
Dia 13 ~
Jogámos tennis de manhã e à tarde fomos com Leonardos darum giro no Buick. Em Orcival parámos para vermos a igreja que é um dos bons exemplares da arte “roman auvergnate”.
CHATEAU DE CORDÈS
Seguimos depois e parámos em Cordès para ver o castelo que por fora tem um aspecto talvez feudal muito interessante. Tem uma “allée” por onde se entra no parc que é lindo, bordado de buxo alto. O parque foi desenhado por Le Nôtre, o grande “jardineiro” de Versailles
CHATEAU DE CORDÈS
O castelo é bastante antigo, tendo partes do século XII e outras dos XV e XVII. Por dentro está em misérrimo estado, faz dó! Hoje pertence a um americano.
Fomos depois para Pontgibaud ver o castelo. Julgávamos nós ser uma ruína “turística”, mas afinal ainda é hoje em dia habitado pelo dono, o conde de Pontgibaud. Vimo-lo sentado ao longe debaixo de uma árvore, com amplas barbas brancas, naquele sítio tão pitoresco julguei-me transportado para a Idade Média! À esquerda vimos as cavalariças com belos animais: o conde anda de trem e ri-se da civilização!
Pudemos ver algumas salas do castelo, interessantíssimo e muito bem conservado. É habitado pelos condes desde 1450, O avô do conde atual era cunhado de Charles X e a condessa diz se descendente de S. Luís de Sales!… Tem uma boa coleção de quadros em que se destacam um Salvator Rosa e um Velazquez.
Dia 14 – Domingo ~
Jogou-se tennis e “chasou-se” na “marquise”. O Artur com Buick partiu cedíssimo para Vichy para buscar o Pai e ir a Aix-les-Bains onde estava o Mülhman que o queria ver.
Dia 15 ~
Pai mandou telegrama a dizer que tinha chegado O.K. Sem o carro, jogámos tennis !
Dia 16 ~
Jogávamos tennis pela ùltima vez. Tínhamos decidido partir a 18 para Inglaterra. Nessa noite, é claro, pedimos moradas, etc., etc.
Dia 17 ~
O Victor fez 19 anos, cheios de juventude! O Pai chegou de Aix às 5h e como passou pelo Mont Dore trouxe os Leonardos para jantar. Fomos tomar chá à “marquise”. Ao jantar a M.lle Couturon que soube do que se tratava fez um bolo grande com 19 velas! Simpático da parte dela!
Dia 18 ~
Leonardos partiram. Nós afinal ficámos mais um dia para acertar um convite de M’me Dreyfus. Tomámos chá com ela e houve um concurso de fotografias em que o Victor entrou. Ela dedica-se a inúmeras obras de caridade e está sempre a arranjar coisas nesse género. à noite brincadeira etc., e mais moradas. Ficámos bons amigos dessa senhora inglesa Miss Zoë Puxley, que trabalha no Ministry of Health; é muito simpática.
Dia 19 ~
Foi afinal o dia da partida! Estavam os Pettavers a despedirem-se de nós pois levantavam-se cedo para o tratamento. Tempo lindo. O motor roncava, o Arthur carregou o acelerador e caminhámos ao Norte. Por Clermont, fomos a Riom onde parámos pois é uma vila interessantíssima.
Na estrada vê-se um grande edital para atrair gente: RIOM – VILLE D’ART.
E de facto, é! Muito antiga, conserva ainda um cunho medieval elevado, possuindo casas interessantíssimas. Vimos, alguns velhos “hôtels”: o “du Moutat” com uma escada de pedra interior curiosíssima, o “hôtel de Ville” com um pátio interessante; la “Maison des Consuls” do século XVI, e então uma quantidade que são particulares e não abertas ao público, mas, por fora, lindas.
EM RIOM “VILLE D’ART”
Pusemo-nos em marcha, com perspetivas de calor e enfiámos pela estrada N. 143. Quando chegou a hora de almoço procurei no mapa sítio em condições e em Néris vi um sinal 4 o que quer dizer hotel de 1ª ordem. E por isso decidimos parar. Vimos em frente um belíssimo edifício e era o hotel. O sítio é Néris-les-Bains no Allier, a Aquae Nerae dos romanos. É uma estância termal com águas carbo-sulfatadas que fazem bem a doenças nervosas e reumáticas. O edifício do hotel era ótimo, mas por dentro e comida não valia o ‘4’ do Michelin!
Depois de Néris, Montluçon, Château roux, Burgançais e Loches. Aqui houve muito que ver! É uma vila linda e com abundantíssimas tradições históricas. Nos tempos agitadíssimos da Idade Média Foulques Nerra, conde d’Anjou, mandou construir ali um possantíssimo castelo, que nos reinados de Louis XI, Carlos VII, serviu de prisão a pessoas ilustres.
RIOM = CASA DOS CÔNSULES
RIOM
Vimos o “Donjon”; o guarda e cicerone, com uma voz melodramática transportava o nosso espírito através daqueles tempos obscuros… Explicou-nos lindamente as diversas torturas, etc., mostrou-nos os cárceres miseráveis que ‘abrigaram’ o cardeal de Balue, o historiador Philippe de Commynes, George d’Amboise, o duque de Milão, etc.
O castelo onde Charles VII mandou construir uma moradia expressamente para Agnès Sorel, é muito interessante; uma parte feita por este e outra por Luís XII.
Deixámos esta histórica vila, terra natal de Alfred de Vigny e banhados pelo rio Indre, afluente da Loire, e seguimos para Tours onde ficamos para dormir no (… não mencionado …).
LOCHES – TOUR AGNÈS SOREL
Dia 20 ~
Empregámos a manhã inteira a ver a catedral que é célebre. A fachada principal é muito curiosa e pouco vulgar. Enfim toda ela é linda.
À tarde decidimos ir a Saumur, aproveitando assim a belíssima estrada que borda a Loire. Vimos ao longe o castelo de Luynes que começou para nós a série de castelos de que esta região é tão abundantemente fornecida! A seguir, a histórica torre de Cinq-Mars e depois Langeais, com um interessantíssimo castelo ainda muito bem conservado e que depois de pertencer a um particular que o mobilou e restaurou, agora é monumento nacional. Chegámos por fim a Saumur, já no Anjou com um belo castelo e outros monumentos. Saumur é o templo de cavalaria; a sua escola militar é conhecida em todo o mundo e treina cavalos que ficam célebres. Fomos ver a famosa escola que por estar num dia quentíssimo, estava por assim dizer morta. Quase todos os oficiais e soldados tinham sido dispensados dos exercícios e ninguém a cavalo. Inspectámos os formidáveis picadeiros cobertos e ao ar livre, as tremendas cavalariças e os compartimentos dalguns cavalos de nome, com a parede repleta de placas comemorativas de prémios. A elite dos cavaleiros da escola, é o “Cadre Noir”, constituído por 1 coronel, chamado o “Grand Dieu”, 4 capitães e 8 tenentes, vestem todos um uniforme preto, que é uma honra que poucos conhecem!
Voltámos pela margem esquerda da Loire, passando por Chinon, com um castelo enorme, mas arruinado. Atravessámos a ponte de Chinon, onde a estrada é uma interminável reta, e chegámos 5 minutos depois do castelo de Azay-le-Rideau ter fechado!! Por fora ainda o vimos, é bonito! Visitámos então um “manoir” transformado em museu; a única coisa de que me lembro é um relógio que dizem feito pelo próprio Luis XVI, que era um grande amador de relojoaria.
Dia 21 ~
Saímos cedo com as bagagens pois seguíamos viagem nesse dia.
Fomos primeiro a Chenonceaux por Bléré. Chegámos poucos minutos depois de abrir e já havia gente para ver. Mas este ano encontrámos apenas turistas de mea-tijela: merceeiros, e no seu género mas tendo sempre o seu Citroën sucata e família consigo!
UM CASTELO À BEIRA LOIRE…..
Este castelo para mim é o que mais me atraiu. Este edifícios não são castelos na acepção portuguesa da palavra pois de praça-forte pouco têm. Em português devem-se chamar mais propriamente “solares”. São antigos palácios reais.
Chenonceaux foi feito para uma mulher, e habitado principalmente por mulheres. Mandado construir por Thomas Bohier, “général des finances” de Francisco I em 1515, foi aumentado com uma galeria sobre o rio Cher, por Diane de Poitiers, favorita de Henri II… Os trabalhos foram continuados por Catarina de Médicis, que tinha forçado Diane de Poitiers a trocar este pelo de Chaumont. Hoje pertence ao M. Menier, o magnata dos chocolates.
No interior, as diferentes proprietárias deixaram as marcas de sua passagem. Tem lindíssimos tetos, chaminés, móveis e quadros, tapetes lindos, etc, tudo da época e aparecendo frequentemente nos baixos-relevos a Salamandra de Francisco I.
À saída comprei uma gravurazita do castelo, como continuei fazendo nos outros. Fomos então para Amboise, um dos mais célebres. Nasceu aqui Carlos VIII que o embelezou e aumentou, trazendo de Itália muitos arquitetos e decoradores. Um dia entrando numa porta baixíssima, que vimos, falou com a cabeça na pedra e morreu pouco depois com 28 anos.
Luís XII e Francisco I frequentaram muito este castelo, mas no reinado de Francisco II, os protestantes tentaram um ataque para raptar o rei, que estava no castelo, mas foram traídos e houve um grande massacre.
Serviu muito tempo de prisão de estado; esteve lá preso o grande Abd-El-Kader. Vimos a “tour de minimes” talvez a parte mais interessante do castelo, com uma rampa interior em caracol, desde o portão de baixo até ao castelo (terraço); é tão suave que um automóvel poderia subi-la e por ela entrou a cavalaria de Carlos V quando veio visitar Francisco I. É quase todo em estilo renascença; nele trabalhou Leonardo da Vinci, que morreu lá.
Almoçámos na vila, que é banhada pela Loire e seguimos para Chaumont.
Fizemos um détour, à “forêt d’Amboise” para ver a “Pagode de Chanteloup”, um edifício a imitar chinês, alto, à borda d’um lago no centro da lindíssima floresta, foi um capricho do duque de Choiseul a quem tudo aquilo pertencia.
O castelo de Chaumont, metido num lindo parque domina o rio Loire. É do século XV e no exterior, com as suas inúmeras torres, é lindo. Por dentro mostra bem o gosto e já o luxo com que os fidalgos da época se rodeavam. Os quartos estão ricamente mobiliados com lindas camas, cómodas, tapeçarias e quadros, tudo da época. Foi adquirido por Catarina de Médicis que o deu a Diane de Poitiers em troca do de Chenonceaux! Hoje em dia pertence (… não mencionado …).
Seguimos agora para Blois pela margem direita do rio. Estamos no departamento do Loir-et-Cher. O castelo é um dos mais célebres de França, pelos factos históricos que evoca e pela beleza de sua arquitetura.
Pertenceu muito tempo à família Orléans. Luís XII nasceu lá e quando subiu ao trono melhorou muito o palácio. Francisco I também executou trabalhos nele. No tempo de Henri III foi teatro dum drama político. O rei abriu lá os “États Généraux”, em 1588 foram assassinados no castelo o duque de Guise e seu irmão o cardeal de Guise. Foi sempre residência real até à revolução.
É uma das joias arquitectónicas da França; 2 séculos de arte estão ali representados desde o gótico até ao clássico passando pelo estilo renascença. Da cidade vê-se a fachada de Francisco I, entra-se pela “aile Luís XII” e no pátio interior distinguem-se variados estilos, nas “ailes François I, Louis XII e Gaston d’Orléans”. A parte interessante do castelo é o exterior, cheio de balcões, balaustradas e pilastras ornados de variadíssimos motivos, entre os mais abundantes a Salamandra de François I.
O interior, muito restaurado, contém salas e salas não mobiladas, com pouquíssimo conforto. Vimos algumas portas e cortinas secretas, que serviam para perfídias várias, o punhal de Henri III ou os requintes de Catarina de Médicis!!.
Agora pela margem esquerda, fomos para Chambord dentro do vastíssimo e lindo parque de Chambord, hoje outra reservado para a caça do veado.
O plano deste tremendo palácio é muito original: toda a parte do centro está disposta em volta da escadaria de rampa dupla, do interior, e para os dois lados simetricamente se alastrou o edifício. Esta escada celebérrima é na verdade curiosíssima, formada de 2 rampas em espiral, que estão dispostas de tal maneira que 2 pessoas que as subam ou desçam ao mesmo tempo não se encontrem nem se vêm! Ao lado da originalidade da construção a escada está lindamente decorada.
Chambord é o mais vasto e talvez o mais célebre dos castelos da Loire. A parte de cima é curiosíssima, com uma quantidade de chaminés, lucarnas etc. e esculturas dando a impressão duma pequena vila suspensa. Passeámos pelo telhado e é muitíssimo divertido.
A colossal construção é devida a Francisco I, um dos maiores construtores entre os reis de França. Foi habitado por quase todos os monarcas que se seguiram… Luís XIV dava ali festas e caça sumptuosíssimas! Passou depois por diversos mãos até pertencer finalmente ao Duque de Bordeaux que ficou sendo conde de Chambord. Hoje é do governo que o conserva à custa dos turistas!
Seguimos viagem por Orléans até Chartres onde ficamos para dormir.
O ORIGINAL TELHADO DE CHAMBORD
Dia 22 ~
De manhã, é claro, catedral. É uma das mais colossais da nossa coleção (das que temos visto)!
Como é dificílimo descrever uma catedral digo pouquíssimo sobre ela.
No exterior é uma joia de rendilhados, estatuetas, etc. No interior o coro é revestido por uma balaustrada de pedra com esculturas livres, representando a vida da Virgem e de Jesus. Foi inaugurada em 1260 por Saint Louis e a família real.
Em toda ela combinam o estilo romano e gótico. Uma das características da catedral é a quantidade de estatuetas dos pórticos, representando inúmeros personagens. Notámos também que não há um único túmulo dentro da catedral. Chartres é a única catedral gótica francesa que se conservou intacta com todos os órgãos essenciais, como os viu Saint Louis.
De Chartres fomos para Rambouillet, na Seine- et-Oise, a residência de verão dos atuais presidentes da república francesa.
CATEDRAL DE CHARTRES
O castelo tem um lindíssimo parque onde abunda a caça. Ali morreu François I em 1547. Luís XIV comprou-o para o seu filho, o conde de Toulouse que o melhorou. Marie Anoniette habitou-o algum tempo e mandou fazer um esplêndido quarto de banho forrado completamente de azulejos de Delft, hoje valendo uma fortuna!
Seguimos depois para Versailles que escuso de descrever pois é tão grandioso que não chegam estas míseras linhas. Só sei que espero voltar lá, pois uma só visita ou 2 não vale nada. Só para o parque se deve conceder 1 dia inteiro… Que fantástico devia ter sido tudo aquilo com Luís XIV!!! Dormimos no Trianon Palace Hotel, com certeza classificado 5 no Michelin!
VERSAILLES
De manhã no Dia 23 ~
Fomos de novo para o Palácio mas não basta!. Almoçámos no hotel e seguimos para Paris. Vimos Tia Rosinha com quem fomos ao teatro Sarah Bernard ver “Peg de mon coeur”, muito bom. Ceámos no Weber.
Dia 24 ~
Demos um passeio no Buick com tia Rosinha pelo Bois de Boulogne e levámos o Artur à Torre Eiffel, ficou banzado; eu já lá tinha subido. Almoçámos no restaurante ‘La Lorraine’ e partimos logo a seguir para o norte. Atravessamos Chantilly, Amiens. Parámos aqui na Catedral, outra maravilha, mas já são tantas que fico já alguma confusão entre as
francesas e espanholas. O Pai encontrou num bric-à-brac, um bustozinho de Napoleão que comprou. Havia muito tempo que tinha vontade de ter um e por mero acaso topou com aquele que gostou.
Entre Amiens e Boulogne deparámos na estrada com um carro de 2 lugares novo em folha virado completamente de rodas para o ar. Por um milagre salvaram se os tripulantes, um casal com criada e bebé e cão! Não sofreram nada, parecia incrível!!
Em Boulogne ficámos para dormir. Demo um passeio depois do jantar e avistei pela 1ª vez o concorridíssimo Canal da Mancha! Em dias ou noites muito claras chega-se a avistar a Inglaterra.
Dia 26 ~
No dia seguinte o carro foi içado por um guindaste e fomos para o barco que o levava. Por pouca sorte não tínhamos nem uma fotografia para tirar o carrão a atravessar o ar que nem uma pena! Nós embarcamos no ‘Isle of Thanet’ e saímos em Folkestone às 2h. Esperámos ainda um pouco pelo carro e depois da alfândega etc. marchámos em direção a Londres! Eu estava ‘excited’, foi a primeira vez que pus pé em solo britânico! A estrada ótima e cheia de ‘tea shops’ dum lado e doutro todo o tempo. Perto de Londres, começou Londres, a valer! Tem 7 “milhõesitos” de seres humanos, aquele colosso e por isso a 15 quilómetros de Londres, já é Londres! Artur portou-se à altura apesar das marchas atrás, adiante e para os lados que tivemos que fazer e paragens para perguntas no meio do tremendo tráfego! Enfim lá conseguimos chegar ao hotel, o Stanhope Court Hotel a 100 metros da casa do Victor em South Kensington. Eu fiquei no 58;, Stanhope Gardens num belo quarto por cima do do Victor. A mãe e filha Bortwick muito amáveis e simpáticas. Achei muito piada ao sistema de banho ‘1 penny in the slot’ para ter 3 a 4 minutos de gás para aquecer a água no esquentador; muitas vezes acabava-se e o gás antes do banho estar razoável e lá ia um segundo penny! Também para o fogão de gás se mete 1 shilling para 8 horas de aquecimento central! E é assim em todas as casas inglesas, em geral.
Dia 26 ~
Tive o meu primeiro almoço ‘breakfast’ à inglesa; bacon and eggs, porridge, belas fatias de pão com jam etc. Comi bem! Saí depois com o Victor, metemo-nos no tube em Gloucester Road on station e fomos ao aplicador Thomas. Quão eu comecei a apreciar tudo em Londres, transporte, amabilidade, etc. etc.!! Aí vi com olhos banzos, um criado trazer uma bandeja com copos de leite e os homens deitarem ½ garrafa de soda para dentro e beberem. São corriqueiros os ingleses mas parece ser uma boa bebida, aquilo!
À tarde fui um instante com o Pai ao Victoria and Albert Museum. South Kensington é a região dos museus londrinos e da Universidade. O British Museum é claro que não está aí, pois com certeza tem o tamanho daqueles todos reunidos!
Tomámos chá no Lyons. É uma formidável organização de “teas”; tem dezenas de lojas, talvez, uma em cada rua de Londres. Foi fundada por Sir Joseph Lyons, um Israellita, e hoje é proprietária também do Regent Palace Hotel, do Strand Palace Hotel e do novo colosso o Cumberland Hotel em Marble Arch. A sociedade é hoje dos Salmon e Gluckstein, tabaquistas célebres! O chá é ótimo e são deliciosos os skones, buns torrados, Devonshire splits, etc. etc. Não há como um bom tea inglês; e nenhum ‘British subject’ passa sem isso! Fomos depois à casa de Portugal ver o Sr. Mendonça. A casa está instalada em Regent Street e tem uma boa saleta, cheia de cartazes e fotografias de propaganda. Atrai muita gente, que se decidem depois a passar os “holidays”, no ‘sunny Portugal’.
À noite fomos ver a minha 1ª peça de teatro, ‘The Cat and the Fiddle’, no Palace Theatre. Shaftsburry Avenue, esplêndido, com ótima música. Adorei o desempenho, os actores inglêses, pode-se dizer são todos bons e superiores as de cá! O teatro é muito bonito e confortabilíssimo. Apreciei imenso toda a gente de smoking e vestido de ‘soirée’ e no fim da peça, a orquestra tocar o hino com que toda a gente se põe de pé. O teatro inglês é caríssimo em relação ao de cá mas tudo é tão bom, a encenação, os atores, os lugares, etc que vale o dinheiro.
Dia 27 ~
Fomos de manhã para o ‘Harrods’ em Knightsbridge. É o colosso dos colossos das lojas!! Tem tudo o que se pode imaginar para se comprar, sports, comidas, vestimentas, brinquedos, papelaria, livraria, enfim tudo e em ponto grande. Até um banco tem lá dentro! Muita coisa nos atraiu, a mim os livros especialmente; e lá deixam qualquer pessoa passear e tocar neles, abri-los, etc., sem sequer repararem! Por ser mais cómodo, almoçámos lá pois até um belo restaurante tem no último andar.
À tarde fui ver um museu e Victor teve de estudar. Eu comecei a andar em Londres sozinho com a maior das facilidades, tubes, buses, etc. não me faziam impressão nenhuma; preferia sempre o bus pois vê-se um pouco da cidade, mas andava muito a pé, com um belo mapa na algibeira. Para tubes tinha outra pequena planta da rede de linhas e para buses ia logo a um polícia que me dizia logo o número que eu devia tomar. São uma simpatia todos os polícias! À noite fomos (eu e os pais sós quase sempre!) ver ‘Party’ por Ivor Novello e com ele próprio no Strand Theatre; entravam também Benita Hume e Lilian Braithwaite, ótimas. Ceámos no Oddenino’s na Brasserie. Oddenino’s, ‘the centre of the world’, é em Regent Street, quase sobre Piccadilly Circus.
Dia 28 ~ Domingo
Fomos almoçar a um belo restaurante no Thames, o Hotel de Paris em Maidenhead. Almoçámos no jardim sobre a relva e a uns 6 metros do rio; depois fomos alugar um esplêndidos barcos elétricos, que só uma volta duma manivela fazia andar para trás ou para diante como quiséssemos, mas custava a bagatela de £1.00 por hora !! Todo o Thames para aqueles lados é lindo e arborizado; as margens são relvados ingleses colossais. À tarde fomos a Pinner, ao Mount Cottage, tomar chá com a Miss Löe Puxley, nossa velha amiga da Bourboule. À noite não fizemos nada pois os teatros não trabalham ao Domingo. É bem entendido!
Dia 29 ~
À tarde fomos com o Pai à City, a parte dos negócios de Londres onde está a Bolsa e sedes dos bancos, etc. Parece que de muito diminuem lá 11.000 pessoas e de dia sãopara lá transportadas 600.000 !! Tivemos um dedo de conversa ali na rua com Lionel Cohen o “stockbroker” do Pai, muito simpático, irmão do Jack Cohen de África. Tomámos tea num Fullers. À noite fomos ao King’s Theatre, em Hammersmith ver “Intimate Relations” – menos mau, com Melville Cooper, muito bom cómico.
Dia 30 ~
De manhã fui ao Science Museum com o Victor. É divertidíssimo e interessantíssimo. Estão ali todas as primeiras máquinas que se inventaram, gramophones, telephones, etc. e então modelos em miniatura de outras, que carregando um pequeno botão, começam a trabalhar! Fomos almoçar ao Simpson’s no Strand, onde a especialidade é o Roast Beef com Yorkshire Pudding! Eu mãe e Yvonne fomos à tarde a Hampton Court Palace, um belo palácio real, construído pelo cardeal Wolsey que lá viveu em estupendo luxo. Henry VIII viveu lá muito tempo e todos os monarcas de que se lhe seguiram tinham maior ou menor preferência pelo palácio como residência. Por dentro é lindo. Tem salas imponentíssimas, uma bela capela, os jardins são lindos com relvas etc (como todos em Inglaterra). À entrada tem um labirinto de buxo que é o melhor em que tenho estado. Estivemos na ‘maze’ imenso tempo sem sair eu e a Yvonne. À noite fui só com a mãe ver “Cavalcade” de Noel Coward no Theatre Royal Drury Lane – o espectáculo mais espectaculoso que tenho visto em Londres! Tinhas 22 cenas que representavam a vida duma família inglesa desde 1899 até hoje. O período de cada cena era indicado por meio de sinais luminosos na cortina. Até um “bus” entrava na cena !! Grandiosíssimo, com Mary Clare.
Dia 31 ~
Fui, só, de manhã, à Wallace Collection, fenomenal! Esta celebérrima colecção, que contem das maiores obras-primas conhecidas, foi compilada pelo Marquês de Hertford e aumentada pelo um filho, Sir Richard Wallace. A colecção pode ser comparada, em importância, com as grandes colecções nacionais da Europa e em variedade mesmo ultrapassa muitas delas.
Foi doada à nação por Lady Wallace em 1897 e abriu ao público em 1900. A entrada é gratuita, excepto 2 dias por semana em que se paga! Da escola italiana, (retive sempre os mais célebres pintores, embora outros tenham também enorme valor) vi Guido Reni (sec. XVII), Salvator Rosa (sec. XVII), Rafael (sec. XVI), Ticiano (sec. XVI), Canaletto (sec. XVII), etc. etc. Dos flamengos: Memling (sec. XV), Rubens (sec. XVII), Van Dyck (sec. XVII), Jordans (sec. XVII), etc. Da escola holandesa: Hals, Rembrandt, Ruysdael, Helst e imensos outros. E quantidades de Velazquez, Murillo, Poussin, Watteau, Nattier, Boucher, Greuze, Le Brun, Meissonier, J. Reynolds, Gainsborough, Hoppner, enfim, tudo o que há de bom na pintura!! Além de mestres antigos e imensas outras obras de artes como miniaturas, moedas, loiça, etc. etc. À tarde fui ao museu de história natural, esplêndido! Chá num Lyons e à noite fomos com Julieta e Richard ver “Firebird” no teatro ‘The Playhouse’ em Charing Cross, ótimo. É dum escritor húngaro Lajos Zilahy. Recebemos nessa tarde uma carta da Mercês dizendo que estava em Landres com a Maria do Carmo.
Dia 1 de Setembro ~
Fomos com a Mercês e Maria do Carmo ao Country Clube do R.A.C. a 1 hora de Londres centro. Tem um estupendíssimo golf e parc e a casa é um antigo palácio. Belo almoço. À noite fomos ver ‘Musical Chairs’ no Criterion, esplêndido, dramático, com John Gielgud, Carol Goodner e Frank Vosper, ótimos atores.
Nos dias 2 e 3 a vida continuou a mesma mais ou menos. Vimos a Julieta que nos recomendou um hotel em Bournemouth onde queríamos ir passar uns 15 dias para banhos de mar. Victor ficava fussando.
Dia 4 ~ Domingo
Partimos no Buick para Bournemouth. Ao Domingo como não há nada que fazer em nenhuma cidade é o dia ideal para viajar. Passámos por Westminster e chegámos sãos e salvos ao célebre sea-side-ressort da costa de Dorset. É uma grande cidade com lindos subúrbios, salpicadas de casas engraçadíssimas tipo inglês bay windows, etc. cada uma com o seu lindamente arranjado jardim, lindas árvores e relvas, etc. Fomos primeiro ver o ‘Royal Exeter Hotel’, quase no centro da cidade, mas afinal ficámos no Branksome Tower Hotel no Branksome Park, um subúrbio quartier lindo da cidade. O hotel tem um magnífico parque tennis e situado no topo da falésia, e desce-se um caminhosito até à praia, também própria do hotel com uma varanda em cimento onde há as casinhotas de banho típicas inglesas, confortabilíssimas.
O hotel é muito bom, e caro… Bela comida ao jantar e dança todos as noites durante o jantar, há uma ‘hostess’ que é uma rapariga que faz apresentações, arranja convivência entre os hóspedes.
Dia 5 ~
Fomos à cidade, onde cortei o cabelo e comprei um fato de banho. Passeámos por ali para ver um pouco. Tem uns jardins lindos onde andam livres a mansamente esquilos cinzentos engraçadíssimos. Fomos ao Woolworth onde um homem nos tentou a mim e ao Pai e fez-nos num instante as nossas caricaturas em papel preto, recortando-o com uma tesoura fina com uma destreza extraordinária!
Dia 6 ~
Tomámos banho, houve um pouco de sol “aquecente” mas pouca gente. À tarde choveu. O tempo é assim na velha Albion!”
Dia 7 ~
Tomei um belo banho. À tarde fomos a Bridport onde visitamos o Ted Gundry na sua fábrica de redes de pesca. Vimos a confecção de enormes extensões de rede e também como se faz o cordel. Muito interessante. Fomos depois tomar chá a Bridehead o grande e lindo ‘domain’ de Sir Robert Williams pai da noiva do Ted. Um belo palácio e a propriedade é esplêndida.
Dia 8 ~
Choveu muito, não se pôde tomar banho. À tarde cidade fazer compras, etc.
Dia 9 ~
Um dia lindíssimo, com sol quente! Fomos a Bournemouth e demos um passeio por Boscombe. Tomámos chá no ‘Peer’ construção característica das praias inglesas; uma grande parte de metal sobre o mar e em cuja extremidade mais longa há casa de chá, dança, etc. Os pais à noite foram ao teatro na cidade. Deitei-me cedo, lendo um pouco do livro ‘Kenilworth’ de Walter Scott. É compridíssimo, durou-me todo o tempo de lá!”
Dia 10 ~
Fomos a Southampton, despedirmos da Maria do Carmo e Mercês que partiam no ‘Asturias’. Atravessamos a celebérrima New Forest. A bordo encontrei o Batista Coelho que também partia. À volta fomos esperar o Victor que estava fussando algo em Londres e que veio passar o ‘Week-End’. Tomámos chá no Pavillion, ótimo tea-house com dança. À noite passeámos pelo chine, ao pé do hotel, onde estava uma banda tocando para dançar ao ar livre. Em dias bons de verão iluminam a praia com potentes holofotes e toma-se banho às 10 – 11 da noite!
Dia 11 ~ Domingo
Banho com chuva! Os Gundrys vieram almoçar connosco, o Ted e irmão e noiva do Ted e irmão! Almoço bom e animado. À tarde fomos com Victor a Wimborne, onde há uma igreja interessante. Victor partiu para Londres.
Dia 12 ~
Fomos à cidade ver um ‘Antique Shop’. O homem regateava imenso e parecia russo, tinha coisas lindas. À saída vi que era israelita! Comprámos uma bela bandeja. Choveu assaz.
Dia 13 ~
Banho bom. Fomos a outro bric-à-brac, logo depois de almoço. Ficámos com uma linda ‘tray’, e barata. Fomos depois a Swanage atravessando pelo Sandbanks ferry. Em Swanage parámos no ‘Benjamins’ um antique dealer. Comprou-se duas trays para perús. Viemos, em Lisboa, a saber que José Maria estava lá nessa altura num colégio!!!
EM SWANAGE – O STONE GLOBE
Fomos depois ao Stone Globe que dizem ser o maior naquele género no mundo. Muito interessante. Voltámos por Corfe Castle; Corfe, uma vila mui antiga e pitoresca. À volta por passámos por Poole. No Poole Harbour estava ancorado o lindo yacht cuja fotografia aqui colada tirei dum “Sphere” mais tarde em Lisboa.
A FLOATING CLUB TO OUTWIT D.O.R.A.”:
(legenda: “The steam yacht Alacrity, in which the Hon. Arthur Eliot and Commander Montague Graham-White propose to establish a club where D.O.R.A.’s restrictions will be unknown. By mooring at sea off Poole, this floating club will have a twenty-four-hour bar in addition to a jazz band and all kinds of deck sports to entertain its members.”)
Dia 14 ~
Bom banho. À tarde tomamos chá no telhado ‘Tea shop suspenso’ dos armazéns Brights. Demos um passeio pelo Alum Chine, e, à volta, ao pé do ‘pier’ de Bournemouth a Yvonne alugou um pequeno ‘pong’. À noite houve um lindo eclipse da lua por volta das 10h. Emprestei o binóculo a um rapaz que estava ali no terraço e no fim de conversarmos um pouco ele levou-me a dar um passeio o seu MG. esplêndido. Apreciei todas as qualidades desse carro ótimo. As ruas compridíssimas de Bournemouth estavam vazias e ele então deu ‘mexa’. Que bela estabilidade nas curvas!
Dia 15 ~
Belo banho. À tarde apareceu um traiçoeiro nevoeiro inesperado pois de manhã o céu estava límpido! TFomos a ‘Lulworth Cove’ que com o nevoeiro estava feia! Era antigamente um antro de piratas! Passámos à volta por Bere Regis onde vimos campos só de agriões.
Dia 16 ~
Bom banho. Fomos a ‘Beaulieu Abbey’, um sítio lindo. O convento é claro está arruinado, mas os ingleses conservam os monumentos com um gosto extraordinário: relvas, lindas árvores etc. Tomámos chá num hotel que é muito bom ali na vila o ‘Montague Arms’.
Dia 17 ~ Sábado
Bom banho. Víctor chegou para outro week-end. Levámo-lo a ‘Lulworth Cove’ mas o est… do nevoeiro lá estava outra vez!
Dia 18 ~ Domingo
O último banho. Partimos todos no carro para Londres, levámos 3 1/2 horas seguidas. Foi um esplêndido ‘holiday’ e um sítio realmente muito agradável. Conhecemos ninguém e por isso o Pai maçou-se um pouco!
Nos dias que se seguiram gozei assaz da grande urbe britânica, teatros, etc.
Embarquei depois eu e a Yvonne no ‘Almanzora’ em Southampton e foi uma boa travessia. Pais ficaram ainda pelas ilhas e Paris voltando no Buick.
O valente automóvel voltou com 14.437 quilómetros, tendo pois andado em França, Espanha e Inglaterra um total de 12.000 quilômetros!!!
Quando cheguei fui passar uns dias agradabilíssimos com o Jun nas Águas Radium. No dia 7 de Outubro abriram as aulas e entrei no 7º ano dos liceus, donde saí vitorioso com 13 valores em Julho de 1933!!
Below the text, there’s a handwritten
“FIM”
signaling the end of the text
(comentário do ChatGPT).
Nota:
Grande parte deste texto foi passado de “escrito à mão” por Calos Seruya para “escrita digital” através do OCR (Optical Character Recognition) da versão 4 do ChatGPT.
O ChatGPT quando não percebia a escrita “inventava”, mas sempre com lógica. Notava-se sempre que essa “invenção” pertencia a estereótipos de outras narrações que o ChatGPT deve ter “lido na sua juventude” …
Outra característica interessante na leitura do ChatGPT era a de ter sempre conseguido decifrar os termos relativos a pessoas (sobretudo atores), cidades ou monumentos escritos em francês ou inglês, o que denota a sua enorme “bagagem” cultural!
[1] (Un mâchicoulis est une galerie formant un encorbellement, soit en position mitoyenne ou en couronnement d’une enceinte militaire (tour, courtine, rempart, etc.) et dont le plancher ajouré permettait, si besoin, de lancer divers projectiles au pied du mur, zone souvent vulnérable. – https://fr.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:Accueil_principal)