Consulado Geral de Portugal,
Pretoria 25 de fevereiro de 1920
Confidencial:
Ao Exmo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros
Acuso recepção do telegrama de V, Exa No 9 de 19 de corrente a que tive a honra de responder conforme a inclusa cópia.
Não é de uma maneira positiva que se pode responder sobre as Intenções de governo da União, cujos membros as conservam secretas e não ao descobririam a ninguém e muito menos a mim, como pessoa
interessada.
Tenho de me limitar a conversas particulares com pessoas ligados à política, comércio e indústria, a quem, tão discretamente quanto possível, levo pare o terreno que me interessa, Foi o que fiz e, do resultado d’essas conversas e de minha observação pessoal dos acontecimentos dos últimos anos, concluo que não tenciona o governo de União, pelo menos por enquanto, denunciar a convenção
Transvaal-Moçambique.
Não se compreende mesmo que motivos plausíveis o governo da União teria para dar esse passo, a não ser o de dar satisfação ao chauvinismo egoísta dos portos do Natal e do Cabo no que respeita ao tráfego que transita por Lourenço Marques. Ora essa satisfação seria antieconómica porque Lourenço Marques é o porto natural do Transvaal e a linha férrea perderia imediatamente a sua importância, com grave prejuízo e desequilíbrio para e economia ferroviária e para o comércio da União. Além disso desde que começou a guerra, o nosso porto, em manifesto desprezo do que lhe assegura a convenção, tem vindo perdendo uma grande parte do seu tráfego: terminou a guerra e ainda o não recuperou e esta situação, se não foi propositadamente criada pelos governos da União e da Grã Bretanha, tem sido, pelo menos, tolerada, sem que os mesmos governos tenham feito o mínimo esforço, quando é certo que o poderiam fazer, para a remediar. Portanto, os queixumes de Natal e do Cabo, n’este momento, não têm justificação, visto que do prejuízo de Lourenço Marques têm beneficiado generosamente.
A parte de convenção que diz respeito a assuntos ferroviários tangíveis é, talvez, a que mais vantagens tangíveis traz para a Província de Moçambique, por intermedio do seu porto de Lourenço Marques: não está sendo, atualmente, cumprida na sua íntegra. Em seguida, Moçambique goza, no Transvaal, da isenção de direitos para os productos do seu solo, vantagem incontestável em tempos normais para o seu assucar e sementes oleaginosos, mas sem importância de maior no atual momento em que mais convém exportar esses produtos para fora de Africa, para países onde alcançam melhores preços; alem d’isso, Moçambique não tem indústrias que possam valorizar por completo essa vantagem que lhe dá a convenção. De resto, a vantagem é recíproca e o Transvaal, cujas indústrias começam e desenvolver-se, aproveita-se bastante dela e, até certo ponto e indevidamente, as restantes províncias da União, que, pela via do Transvaal, mandam productos para Moçambique, livres de direitos, devido à impossibilidade se verificar com rigor a sua verdadeira origem.
Enquanto à parte da convenção que diz respeito à emigração dos indígenas de Moçambique para as minas de Tranavaal, a vantagem que dela aufere a nossa colónia é a de recolher as economias que o preto conseguiu arrecadar durante o tempo em que trabalhou na minas; em oposição a esse benefício, pensa multa gente que Moçambique perde, por vários motivos resultantes da emigração, o melhor da sua mão dobra que, num futuro mais ou menos próximo, acabaria por assegurar a sua prosperidade agrícola e quiçá industrial.
Pos outro lado o Transvaal vê assegurada a existência das suas minas com a nossa mão dobra; vê assegurado o tráfego lucrativo de sua linha de caminho de ferro da fronteira portuguesa a Pretoria e às regiões mineiras de Witwaterarend e que lhe vai ao mesmo tempo desenvolvendo as suas minas de carvão e as zonas de leste e norte; vê assegurada uma boa parte do dinheiro que paga aos nossos indígenas pois eles antes de regressarem a Moçambique, fazem, no Transvaal, importantes compras e alimentam assim um florescente comércio à sombra das disposições da convenção que permitem ao indígena transpor a nossa fronteira com uma certa quantidade de bagagem livre de direitos. É certo que a alfandega de Moçambique recebe compensação monetária por coda indígena que regressa de Transvaal, em ver de lhe cobrar direito pela sua bagagem, mas não parece menos certo que a cobrança de direitos seria paro nós mais proveitosa e, pelo menos, desviaria para Moçambique o importante comércio que, agora, se faz no Transvaal.
Nas circunstâncias atuais, pois, não se compreende bem as vantagens que a União teria em denunciar a convenção, a não ser a de nos arrancar ainda mais algumas concessões, o que é incerto e mesmo muito problemático, assim o devemos todos esperar da energia dos representantes portugueses chamados oportunamente a negociarem a convenção que teria de substituir o atual, Se alguma das partes tem, realmente, justificação imediata para denunciar a convenção de 1009, na esperança de conseguir melhores vantagens, é Moçambique e não o Transvaal, É isto o que pensam os representantes da política, comércio e industria deste país, se bem que o não digam em publico por astúcia politica que desnecessário é encarecer. Posso, pois, enganar-me, mas o que ouço e observo faz-me crer que o governo atual da União não tem, neste momento, e designo de denunciar a convenção. Porem, as circunstâncias podem mudar, não só em resultado do desenvolvimentoagrícola e Industrial de União, que se vem desenhando e largos traços, não em resultado das eleições parlamentares que vão realizar-se no die 10 do próximo mês de março, devendo a nova câmara abrir em fins do mesmo mês.
Estão em presença quatro grupos, o partido sul africano a que pertence o atual governo presidido pelo General Smuts, o partido unionista, o partido operário e o partido republicano-nacionalista. Prevê-se que nenhum deles obterá a maioria absoluta, mas, qual será a feição do novo parlamento e a sus atitude nas relações futuras com a Província de Moçambique, é o que, atualmente, não é possível ajuizar.
No meu telegrama mencionei a greve de mineiros indígenas entre os quais se encontra um grande número de moçambicanos, A indústria mineira, nos últimos anos, tem consentido ao operariado branco grandes concessões que, ultimamente, só tem sido possível manter e aumentar em resultado da alta do preço do ouro, que tem permitido a continuação da exploração de um certo número de minas pobres. Ceder aos indígenas, agora, nas suas exigências de maior salário, deslocaria por tal forma a indústria e comprometeria tão completamente aexistência das ditas minas pobres, que os dirigentes da indústria mineira estão firmemente resolvidos a não arredarem pé da sua atitude de non possumus. Portanto, ou os indígenas voltam ao trabalho ou serão repatriados para as suas terras, pois impossível se torna a conservar no Rand, indefinidamente, uma tão grande multidão de gente selvagem que, a qualquer instante, pode quebrar a disciplina e cometer violências irreparáveis. A greve não é geral, mas, mesmo assim estão fora do trabalho uns quarenta mil indígenas; estão fechadas umas minas e outras não; nalgumas, os indígenas têm voltado ao trabalho; noutras em que ainda trabalhavam, declaram a greve. Receia-se que a greve se alastre aos serviços municipais e domésticos do distrito de Joanesburgo. Esta situação dura já há alguns dias e, necessariamente, tem de ser solucionada, com rapidez, de qualquer forma. Se o for pela repatriação, natural é que sejam recambiados para Moçambique alguns milhares de pretos. É essa eventualidade, a que é de esperar não se terá de recorrer, possível é que não tornem a abrir algumas das minas pobres; isto pode acontecer tanto por esse motivo como pela baixa eventual do preço do ouro e, se vier a acontecer e os indígenas despedidos de minas pobres não forem absorvidos
Pelas minas ricas, pode dar-se a eventualidade de a indústria mineira, n’um futuro mais ou menos próximo, não depender tanto, como atualmente, da mão dobra de Moçambique; e, real ou fictícia, essas
negociações de um futuro tratado connosco? Esta eventualidade é muito remota, sem dúvida, e não virá talvez a realizar-se, mas assim mesmo, será, talvez, conveniente não perdê-la de vista.
Saúde e Fraternidade
O Vice-cônsul gerente
(assinado Salomão Seruya)